Poucas coisas são tão prazerosas ao volante quanto sentir a interação entre carro e motorista numa estrada sinuosa. O par formado lembra uma dupla de dançarinos em que cada um conhece profundamente os passos de seu parceiro.
Mas engana-se quem pensa que o carro é simplesmente conduzido, sem manifestar vontade própria. Ele pode responder com docilidade ou com aspereza, pode ser generoso com seu condutor, descrevendo movimentos harmoniosos e precisos, ou impor-lhe uma humilhação pública, emitindo sonoros protestos pelos pneus ou mesmo abandonando uma trajetória incoerente, imposta à força.
Cada carro tem sua personalidade, um temperamento, um comportamento próprio – que alguns até exageram e chamam de alma. Alguns são mais complacentes, outros mais ariscos… Mas uma coisa é comum a todos: nenhum deles pode subverter as leis da física.
Quando se desloca, um automóvel fica sujeito à ação de forças nos três planos, longitudinal, lateral e vertical (representados graficamente pelos eixos XYZ), com intensidade, direção e sentido variáveis.
Em uma curva, o comportamento do carro é influenciado pela somatória das forças nos três planos. No longitudinal, existe a aceleração. No lateral, há a força centrífuga (que expulsa o carro da trajetória) e a centrípeta (que faz com que ele se mantenha na trajetória). E, no vertical, atua a chamada força-peso.
Todas as forças atuam constantemente e as diferentes partes do veículo podem receber diversos estímulos ao mesmo tempo. Numa frenagem, por exemplo, enquanto os freios tentam parar o carro, a suspensão deve suportar a transferência de peso que ocorre para o eixo dianteiro. E, numa curva, enquanto a direção altera a posição das rodas e os pneus atritam com o piso, existe um deslocamento lateral da carroceria.
O tipo de força que age sobre um carro e os efeitos que causa dependem da situação, mas também do veículo. Dimensões, peso, aerodinâmica, distribuição de massas, centro de gravidade (ponto que teoricamente concentra toda a massa) e tendência à rolagem (inclinação da carroceria) são algumas das características que influenciam seu comportamento.
Cuidado com a traseira
Hoje quase todos os automóveis são desenvolvidos para que, em uma situação limite como numa curva, eles escapem ou escorreguem de frente (são os subesterçantes) e nunca de traseira, como fazem os sobresterçantes. Isso independe de sua tração ser dianteira ou traseira.
O veículo de tração atrás só vai escorregar de traseira atualmente se provocado, pois em uma condução normal a suspensão é desenvolvida para empurrar para a frente, por motivos de segurança.
Os modelos subesterçantes são considerados mais seguros porque são mais previsíveis e fáceis de controlar, quando iniciam a perda da trajetória. Para corrigir a manobra, o motorista só precisa aliviar o pé do acelerador, o que é uma reação natural, e girar ainda mais o volante no sentido da curva.
Os sobresterçantes, por sua vez, são imprevisíveis e pedem que o motorista gire o volante no sentido contrário à curva. É o chamado contraesterço, manobra nada intuitiva, difícil de ser realizada e para a qual é necessário treinamento.
O ideal é um carro com divisão de peso equilibrada entre os eixos e transmissão nas quatro rodas. Mas, como isso custa caro (para fazer e para usar, uma vez que aumenta o consumo) e nem sempre é necessário, as fábricas tentam equilibrar os projetos na medida do possível, usando motores dianteiros e transmissões traseiras, por exemplo, ou lançando mão de recursos de controle.
Os sistemas eletrônicos de estabilidade, por exemplo, monitoram a velocidade das rodas, a posição do volante e o ângulo de viragem da carroceria sobre seu eixo para evitar que o carro saia da trajetória. A eletrônica é uma forte aliada das fábricas para aumentar a segurança dos carros, porque os diferentes sistemas ajudam o motorista minimizando o efeito das forças sobre os carros.
O popular freio ABS administra a aderência entre os pneus e o piso, controlando a força aplicada pelas pastilhas nos discos, de modo a impedir o travamento das rodas, condição em que há perda de aderência. O controle de tração evita que o torque excessivo faça as rodas girarem em falso.
Os motoristas que gostam de dirigir esportivamente reclamam da vigilância eletrônica. Para eles, os sistemas roubam o prazer de realizar certas manobras corretivas, quando os limites físicos do carro são ultrapassados.
Mas, pensando na segurança, as fábricas dizem que a eletrônica é sempre bem-vinda, uma vez que os sistemas só entram em ação quando os limites são atingidos e nessas situações é melhor não contar com as habilidades pessoais dos condutores.
Decolagem
Quem está ao volante pode perceber as leis da física atuando na horizontal, na vertical e na lateral. Segundo a professora Thais Russomano, coordenadora do Centro de Microgravidade da PUC do Rio Grande do Sul, há três eixos nos quais a força G, da gravidade, pode atuar: o Z (da cabeça para os pés), o X (do tórax para as costas) e o Y (nas laterais).
Quando aceleramos, estamos sentados dentro de um carro e essa força começa a atuar no eixo X, mas uma outra força oposta a essa, chamada de inercial, joga o corpo e os órgãos internos, inclusive o cérebro, para trás, contra o encosto do banco do carro, mas dificilmente traz problemas à saúde. Sintomas como dor no peito e dificuldades respiratórias são relatados em situações onde a exposição às forças G e inercial é maior, como ocorre na decolagem de naves espaciais.
Na frenagem, todo o organismo é empurrado para a frente. É a força da gravidade atuando no eixo X, mas no sentido oposto ao da força inercial. Assim, se a desaceleração for brusca, isso pode causar dores de cabeça e até lesionar vasos cerebrais, provocando hematomas, hemorragias e aneurismas em casos mais graves, que podem ocorrer até mesmo sem que haja colisão.
Ao contornar uma curva, as forças laterais entram em ação. Se elas forem feitas para a direita, o corpo, os órgãos internos e o cérebro serão empurrados à esquerda e vice-versa.
Por último, há a vibração atuando na vertical. Causada por irregularidades do piso ou do carro, é uma das manifestações mais agressivas ao organismo, principalmente para quem dirige horas a fio. Os efeitos são sentidos no longo prazo.
“Como atua sobre as juntas e articulações, o motorista tende a apresentar fadiga, dores e problemas na coluna e varizes”, afirma o médico Dirceu Rodrigues Alves Júnior, diretor do departamento de Medicina Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet).
Apesar de não estarem relacionados à ação da gravidade, sintomas como mal-estar, enjoo, tontura, sudorese e até vômito também podem acontecer por causa dos sacolejos do carro. É o que os especialistas chamam de cinetose.
Contradança
Não se deve frear em curvas. Ou, pelo menos, não de forma brusca, como tentamos mostrar no desenho abaixo. O objetivo foi ilustrar uma situação crítica na qual diferentes forças atuam ao mesmo tempo sobre o nosso carro, que não conta com recursos eletrônicos. Portanto, trata-se de uma manobra de alto risco em que o motorista está entregue à própria sorte – e habilidade.
Freio – Quando pisa no freio, o motorista promove dois momentos de força. O primeiro ocorre entre componentes do sistema. As pastilhas pressionam os discos tentando fazê-los parar de girar. O segundo é entre os pneus e o piso. Considerando que o motorista parou de acelerar, por inércia o carro tende a se manter em movimento. A força que o sistema faz para frear o carro nunca deve ser maior que a que os pneus exercem sobre o asfalto. Se isso ocorre, as rodas travam e os pneus passam a arrastar sobre o piso, deixando o carro sem controle direcional, por falta de atrito entre a banda de rodagem e a estrada.
Suspensão – No eixo vertical, a suspensão suporta o peso do carro e os estímulos do piso (mesma direção, sentido contrário). No eixo longitudinal, o conjunto recebe o peso da carroceria, sempre que o carro acelera ou freia. Nas frenagens o peso é transferido para a dianteira. Nas arrancadas, para a traseira. Lateralmente, também existe transferência de peso, nas curvas.
Direção – Através dela, o motorista pode perceber as interações entre os pneus dianteiros e o piso, a atuação dos freios e o trabalho da suspensão. Nas curvas, o motorista sente as forças laterais e a tendência de o carro escapar. Por causa da geometria da suspensão, a direção tende a deixar os pneus descrevendo sempre uma trajetória em linha reta.
Pneus – Ao acelerar, são eles que transmitem o torque do motor para a pista, empurrando o asfalto para trás e impulsionando o veículo à frente. Nas frenagens, o sentido dessas forças se inverte. Nas curvas, os pneus recebem estímulos laterais (forças centrífuga e centrípeta). Quando a força lateral ultrapassa a capacidade de aderência do pneu, o carro derrapa.
Carroceria – carroceria recebe forças laterais, que provocam o rolling nas curvas; de torção, quando passa por desníveis não absorvidos pela suspensão; e, além disso, ela sofre os esforços dos componentes apoiados na estrutura, como motor e suspensão. Durante o movimento, quanto mais veloz, maior a resistência criada pelo ar. Daí a importância de um design aerodinamicamente bem desenvolvido.
Motorista – Numa situação de curva com frenagem como esta, o corpo, os órgãos internos e o cérebro são empurrados para a frente ao mesmo tempo que são deslocados pelas forças laterais para a esquerda, porque a curva é à direita. Se a manobra fosse para a esquerda, o organismo iria para a direita. Ao acelerar, a mesma força da desaceleração volta a atuar no motorista, mas dessa vez no sentido oposto ao da frenagem. É por isso que costumamos ficar colados contra o encosto do carro nessa hora. Apesar de nada ter a ver com a gravidade, sintomas como náuseas, mal-estar, tonturas e vômitos também podem ser causados pelo movimento do carro.
O que os olhos não vêem
Enjoos e vômitos que atacam em viagens de carro são chamados pelos médicos de cinetose. Isso nada mais é que um conflito entre o que os olhos veem e o que detecta o labirinto (1), parte do ouvido interno ligada ao equilíbrio corporal.
É o que ocorre com quem lê em um veículo. Focada na leitura, a visão não percebe que o carro se move. Mas o sistema vestibular, no ouvido, diz que algo se mexe. Esse deslocamento é percebido graças à endolinfa, líquido que circula nas três estruturas semicirculares (2) e no vestíbulo (3), que formam o labirinto.
À medida que o carro se mexe, a endolinfa começa a se movimentar. Isso estimula as células, que enviarão uma mensagem (4) ao cérebro, informando que o corpo está se mexendo, mas a visão não está detectando. Esse descompasso é o que provoca o mal-estar nas viagens.