Museu do Automóvel de Xangai relembra clones, ignora BYD e tem até Santana
Museu explora o início da indústria automotiva chinesa, que é quase tão antiga quanto a brasileira, e apresenta aos chineses os carros mais famosos do mundo
A indústria automotiva chinesa, hoje pujante, não é tão jovem quanto parece. Na verdade, a China começou a fabricar carros desenvolvidos localmente pouco depois do Brasil – que até 1956 tinha apenas carros importados ou montados localmente com peças de fora.
O Museu do Automóvel de Xangai ajuda a entender e ilustrar o longo caminho percorrido até que as fabricantes chinesas se multiplicassem, passando a preocupar o resto do mundo. Por outro lado, também mostra para a população local como era o mundo automotivo durante as décadas em que a China esteve fechada para estrangeiros.
Uma Kombi (ou melhor, um Transporter T1) recepciona os visitantes logo na entrada. Mas os carros que estão bem no meio do salão principal, formado pelas rampas que levam aos outros andares, são um Lamborghini Countach 1989, um Rover P5B 1968 e uma das 50 unidades do Shanghai SH760 montadas em 1964. Estes dois últimos teriam um vínculo histórico anos depois.
O mais comum era para poucos
O projeto chamado Fenguang (Fênix, em mandarim) ficou seis anos em desenvolvimento. Começou em 1958 a partir de um FSO Warszawa e um motor copiado dos soviéticos, mas depois passaram a usar o Mercedes 220S de 1954 (W180) como referência técnica, enquanto o design era inspirado nos Packard da mesma época. No lançamento, em 1964, o motor era um seis cilindros 2.2 de 90 cv também copiado da Mercedes.
Nascia ali um dos carros mais longevos da indústria chinesa, o Shanghai SH760 seguiu em produção até 1991, tendo sido o principal carro dos funcionários do governo que não eram importantes o suficiente para terum FAW Hongqi, e também destinado a táxis. Foi o único carro médio fabricado em grande escala na China até a reabertura econômica da China, mas nunca teve preço tabelado.
Ao contrário de outras fabricantes, a Shanghai não era controlada por Pequim, mas pelo governo de Xangai. Ela existe até hoje com o nome SAIC, justamente a atual proprietária da Rover e da Morris Garages (MG), que estreia no Brasil ainda em 2025. Aliás, é a SAIC quem está fornecendo a plataforma da nova geração da Amarok que será fabricada na Argentina.
Essa relação pode ser contemplada no terceiro andar do museu, onde um Shanghai SH760A 1974 está em exposição a poucos metros de um MG MGB 1965.
Como tudo começou
O início do passeio também apresenta chassis dos primeiros carros, motores feitos na China (copiados, sim, de projetos ocidentais), peças que retratam a invenção da roda, réplicas de carroças chinesas, carruagens com motor, réplica do Patent-Wagen e painéis com a linha do tempo da indústria automotiva global e chinesa.
Mais adiante, os visitantes encontram o Ford Modelo T ao lado de um Volkswagen Fusca, ambos parados de frente para um Toyota Corolla da primeira geração. São três grandes exemplos de carros feitos para as massas muitas décadas antes da população chinesa ter acesso aos seus próprios carros.
Por décadas, os carros fabricados na China estiveram restritos ao uso dos funcionários do governo ou do exército. O Beijing BJ212, um jipinho, surgiu em 1965 para tornar a China independente das importações dos UAZ-249 soviéticos, de quem copiaram o projeto. Na verdade, copiaram muito do design enquanto o chassi e muitas das peças eram do GAZ-69, mais antigo. Os originais também integram o acervo do museu.
Logo ao lado está o Volkswagen Santana, carro que representou o início da abertura da indústria chinesa ao ocidente, e que rapidamente se tornaria um ícone também na China.
Existe Santana na China desde 1983, quando começou a ser montado em kits enviados da Alemanha. Em 1985 começou a produção local, graças à joint-venture entre a Shangai Tractor Automobile Corporation (antigo nome da SAIC) e a Volkswagen. Foi a primeira joint-venture entre uma empresa chinesa com uma fabricante ocidental. E isso se tornaria regra para que outras empresas se estabelecessem na China, então recém-aberta.
Ainda mais curioso foi este Passat de primeira geração ter chegado à China com o mesmo nome usado no Brasil: Santana, que existia até pouco tempo atrás. A primeira geração esteve em produção até 2013 e a Volkswagen do Brasil colaborou para o início da produção do Santana 2000 por lá, com entre-eixos mais longo, de 1995 até 2004.
No mesmo salão está um dos poucos Shanghai Convertible fabricados e ainda íntegros. Esses carros foram dedicado ao desfile de autoridades, recepção de estrangeiros e cerimônias, mas as oportunidades de utilização durante a Revolução Cultural foram pouquíssimas.
Ao lado, sobre um palanque, está o primeiro dos dois FAW Hongqi CA72 em exibição no museu. É um dos protótipos de 1959 daquele que seria o principal meio de transporte alto escalão do governo chinês, uma distinção que existe até hoje para seus carros mais luxuosos.
No entanto, a FAW vem explorando a Hongqi como uma marca de luxo com sedãs, SUVs e até uma van, com versões a combustão, híbridas e elétricas.
Outro Hongqi do acervo é um CA773 de 1973, um modelo mais curto do CA770 – este com três fileiras de assentos. Esta linha de modelo ainda teve algumas unidades blindadas e chegou a ter continuidade no final dos anos 1980 com unidades do Lincoln Town Car e do Audi 100, que foram vendidos na China como Hongqi.
É no primeiro andar do museu onde está a maior concentração de carros chineses do museu. É de se estranhar a falta de carros locais mais recentes, mas isso pode ser explicado pelo fato de pertencerem a um passado ainda recente.
Pelo menos a linha do tempo que ilustra paredes e painéis, com fatos da história ocidental e chinesa caminhando em paralelo, acaba em um monitor que apresenta os primeiros carros de marcas chinesas antigas, como a Great Wall, Changfeng, Lifan, Southeast e Changhe, ilustrada pelo Ideal, o famigerado Effa M100 que foi fabricado no Brasil e fez história aqui na Quatro Rodas.
O acervo do Museu do Automóvel de Xangai se dedica bastante à indústria estrangeira. Há uma sala só com Cadillac e Auburn dos anos 1920, outra com os Chrysler Airflow e Lincoln Zephir ilustrando os avanços aerodinâmicos, enquanto os Porsche 911, Datsun 240Z e um Maserati ilustram o ambiente dos esportivos e um VW Lupo, um Fiat 126P e um GM EV1 (um dos pouquíssimos deste elétrico que restam hoje) estão na ala dos carros eficientes. Não há nenhum elétrico chinês ali.
É preciso ler para entender
Localizado em um distrito na parte oeste de Xangai, o museu também explora particularidades da história da cidade.
Xangai foi de maior centro comercial da Ásia nos anos 1930 à destruição na década seguinte, com a invasão japonesa durante a Segunda Guerra Mundial. A invasão chegou a forçar a adoção da mão inglesa na cidade a partir de 1946, o que depois foi revertido.
Havia carros importados do ocidente e visitante pode, inclusive, ver publicidades de época de carros da Citroën, Ford, Mercedes e de importadores. No início do século XX, os carros eram símbolo da prosperidade de Xangai. Quem não podia ter um carro, recorria a cenários nos estúdios de fotografia para simular o contato com um.
Nos anos 1950, o transporte pessoal havia passado aos riquixás e o governo incentivou a fabricação de microcarros para serem usados por táxis (já que, neste momento, os carros não podiam ser de propriedade privada). Alguns milhares foram feitos e muitos, inclusive, chegaram a ser adaptados para gás natural devido à falta de gasolina e diesel para serem usados como combustível.
É por meio de fotos e miniaturas que o museu conta sobre o início da abertura da indústria automotiva chinesa, por meio de parcerias e joint-ventures, a partir dos anos 1980. Assim, conseguem ilustrar a presença de carros da Daihatsu, mostram registros do início da produção local do Santana e relembram até Beijing-Jeep, que fez o Jeep Cherokee XJ ser fabricado na China a partir de 1984.
A partir daí, o museu passa a contemplar ícones da indústria ocidental com carros que, em sua enorme maioria, pertencem a colecionadores chineses. Há Packard Super Eight, Jaguar XK120, Mercedes 300SL, Ford Mustang Fastback, Lincoln Continental Mark II, Cadillac Eldorado, Porsche 356, Honda N600 e até um Mazda Cosmo, um dos primeiros carros com motor Wankel. Também há BMW 2002 e Nissan Skyline GT-R por lá. É um dos poucos museus do mundo onde se vê tamanha variedade de ícones.








































































No fim da mesma mostra estão exemplares de motocicletas e bicicletas chinesas dos anos 1960 aos anos 1980. Ao lado delas, o texto de um painel me chamou a atenção pela forma com é capaz de resumir o que representam os carros deste museu na visão dos chineses. A tradução está a seguir:
“Carros já foram algo muito distante para o povo chinês. Dirigir um carro e possuir um carro eram mais um desejo:Quando o primeiro carro de Hongqi saiu da linha de montagem e o primeiro carro da Shanghai chegou às ruas, muitos chineses derramaram lágrimas de entusiasmo e orgulho, comemorando a realização do sonho da pátria de produzir carros. Os carros fabricados na China formaram um enorme comboio de boas-vindas, mostrando a dignidade do pais e a grandeza da nação diante do mundo. Quem não se lembra de na infância de perseguir carros e se perguntar quais “elfos” estariam escondidos neles?
Quem nunca viu uma cena dessas: o carro que dava as boas-vindas à noiva estava coberto de vermelho e flores, rodando lentamente pela estrada, atraindo os olhares invejosos dos transeuntes? Quantas pessoas anseiam pelo dia em que dirigirão um carro, levarão a família e os amigos e viajarão pelas belas montanhas e rios do país? O sonho automobilístico do país está enraizado no desejo do povo por carros. Hoje, sonhos e desejos se tornaram realidade, e os carros se tornaram uma parte indispensável da vida de muitos chineses.”
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Essa é a alusão que o museu faz ao sucesso da indústria automotiva chinesa na atualidade, mas sem explorar a aposta nos carros híbridos e elétricos, ou a expansão de marcas como Chery, BYD, Nio, GAC ou Great Wall. Talvez estejam mesmo esperando que estas construam suas histórias antes.
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