Na primeira vez que estive em Xangai, na China, há seis anos, a cidade me pareceu ser um santuário para o Volkswagen Santana, honrando sua aptidão para ser táxi. Desta vez não: encontrei um velho Santana da primeira geração, da frota da polícia, parado ao lado da estação de trem da cidade. Foi o único. Até um chinês que acompanhava o grupo de jornalistas brasileiros ficou impressionado com o avistamento.
Os Volkswagen Santana táxi da cidade deram lugar, em sua maioria, a carros da Roewe – uma das marcas da SAIC Motor, que é baseada em Xangai. Na prática, os Roewe são fabricados pela mesma empresa que fazia os antigos Santana.
Existe Santana na China desde 1983, quando começou a ser montado em kits enviados da Alemanha. Em 1985 começou a produção local, graças à joint-venture entre a Shangai Tractor Automobile Corporation (antigo nome da SAIC) e a Volkswagen. Foi a primeira joint-venture entre uma empresa chinesa com uma fabricante ocidental. E isso se tornaria regra para que outras empresas se estabelecessem na China, então recém-aberta.
Ainda mais curioso foi este Passat de primeira geração ter chegado à China com o mesmo nome usado no Brasil: Santana, que existe até hoje. A primeira geração esteve em produção até 2013, mas a Volkswagen do Brasil colaborou para o início da produção do Santana 2000 por lá, com entre-eixos mais longo, de 1995 até 2004.
A partir daí os chineses ainda fizeram duas atualizações no sedã por conta própria: o Santana 3000 e o Santana Vista. Este, por sinal, também saiu de linha em 2013 mas ainda é relativamente comum nas ruas de Xangai e Pequim. A terceira geração do Santana, ainda à venda, é algo como um antigo Polo Sedan (com plataforma PQ25).
É um carro tão importante para a história do país que há uma unidade da primeira geração do Santana em exposição no Museu do Automóvel de Xangai – um dos três museus do país dedicado aos automóveis.
Nosso amigo chinês ainda lembrou de outra joint venture, entre a Beijing Automotive Industry Corporation (BAIC) e a American Motors Corporation (AMC), que a partir de 1984 garantiu a produção do Jeep Cherokee XJ na China. Mesmo com a Jeep passando a fazer parte da Chrysler e da Daimler, a produção durou até 2007. Apesar dessa história antiga, a Jeep abandonou a China há poucos anos.
A Peugeot também está entre as primeiras a estabelecerem produção na China, em parceria com a Guangzhou Automobile Company (GAC), com a produção local da picape 504 e do sedã 505, a partir de 1989 até 1997.
O que esses três casos têm em comum é que esses carros, já fabricados na China, eram, em sua grande maioria, destinados às frotas de táxi do país ou a funcionários do governo.
Era o mesmo destino de outros carros fabricados na China desde meados da década de 1950, como o Shangai SH760 (baseado no Mercedes-Benz 220S W180), destinado ao médio escalão do governo, e do Hongqi CA72, um carro de luxo destinado aos líderes do Partido Comunista, baseado no Chrysler 1955.
Até pouco mais de 20 anos atrás era muito difícil para o cidadão chinês comprar o próprio carro. Isso também contribui para o fato de ser tão raro ver carros antigos em circulação, especialmente nas grandes cidades. Mas também é um fato notável o mercado automotivo chinês ter se tornado um dois maiores do mundo em tão pouco tempo.
O baixo preço de um carro mais antigo poderia criar um prolífico mercado de carros antigos, mas isso não existe. É preciso estimular a indústria automotiva, afinal.
As maiores cidades da China têm restrições de placas de licenciamento – e seu custo elevado também contribui para uma rápida renovação da frota de automóveis. Os carros usados, em sua maioria, são enviados para cidades menores ou províncias mais distantes, sem restrições de licenciamento.
Talvez por isso eu não tenha avistado nenhum Chevrolet Sail (o Classic chinês), tenha visto apenas uma unidade do Chevrolet Onix Sedan (que saiu de linha na China em 2022) e, também, apenas um JAC J3 (em sua versão elétrica).
Além do mais, os carros têm algo como um prazo de validade na China. Podem ser aposentados após algo entre 8 e 15 anos de uso, aos 600.000 km, ou se não forem aprovados em inspeções anuais. Quem ainda quiser permanecer com seus carros antiguinhos fica obrigado a levá-lo para verificações de segurança até quatro vezes por ano.
São questões de um mercado tão dinâmico que vê marcas de automóveis nascendo e falindo a todo momento.