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Impressões: Toyota Mirai é carro a hidrogênio ainda mais ‘limpo’ no Brasil

Primeiro carro de série a hidrogênio do mundo, sedã da Toyota chega ao Brasil para servir de laboratório ao potencial do país no segmento

Por Eduardo Passos
Atualizado em 12 ago 2023, 11h43 - Publicado em 3 out 2022, 00h52
Hidrogênio compõe 3/4 do Universo, mas tê-lo no modo certo para abastecer o Mirai é um desafio
Hidrogênio compõe 3/4 do Universo, mas tê-lo no modo certo para abastecer o Mirai é um desafio (Divulgação/Toyota)
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O fim dos veículos a combustão como principal meio de transporte não é mais questão de “se”, mas de “quando”. Com o mundo mais ou menos certo de que o ano 2050 marcará o momento em que as emissões de carbono serão praticamente zeradas, é questão de tempo para que o barulho do trânsito ou as paisagens cobertas de fuligem sejam meras lembranças às próximas gerações.

Usina eólica
Fartura de energia renovável pode fazer do Brasil a “Arábia Saudita do hidrogênio”, acreditam pesquisadores da UFRJ. Mercado pode gerar faturamento trilionário na segunda metade do século (Portal Brasil/Divulgação)

Mas converter todas as atividades humanas, obviamente, é um processo custoso e que não estará livre de traumas. Ainda que as vendas de carros elétricos estejam crescendo vertiginosamente, certos problemas virão junto com o maior volume desses veículos nas ruas.

Do descarte de baterias à dependência de recursos finitos e localizados, estudiosos e membros da indústria já apontam problemas que, enquanto não têm solução definida, seguem simplesmente postergados.

Primeira unidade do Toyota Mirai do Brasil veio para estudos de mercado e tecnologia
Primeira unidade do Toyota Mirai do Brasil veio para estudos de mercado e tecnologia (Divulgação/Toyota)

De olho em questões como essa, há quem acredite que, por mais que carros elétricos tendam a dominar o futuro, a diversificação é uma boa pedida. A Toyota é uma das que pensa assim, e não economiza engenhosidade em busca de soluções alternativas.

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Uma das mais empolgantes empreitadas da japonesa é o uso do hidrogênio, que vem sendo feito de duas maneiras principalmente. Uma delas é menos “futurista”, consistindo em adaptar motores convencionais à queima do gás H2; uma forma de manter vivo o aspecto afetivo de carros do nosso tempo, candidatos ao posto de “disco de vinil” (souvenires caros e que têm seu charme no passado) da indústria automotiva daqui a algum tempo.

Toyota Mirai
Visual bem comum do Mirai só torna mais impressionante a tecnologia além do que os olhos veem (Divulgação/Toyota)

O outro, muito mais complexo, está concentrado no Toyota Mirai: o primeiro carro de série do mundo movido a uma célula de hidrogênio. O sedã fabricado no Japão não apenas está no Brasil, como foi dirigido por QUATRO RODAS, que também entendeu melhor o motivo de sua vinda ao país.

Bom demais para ser verdade?

A unidade trazida ao Brasil vem sendo abastecida de maneira improvisada pela Toyota e uma fornecedora parceira, uma vez que a mera instalação de um posto de H2 custaria à marca cerca de R$ 600.000. Isso ocorre devido à imensa pressão na qual o gás é armazenado em três cilindros instalados no chassi— protegidos por tecnologia análoga à de foguetes espaciais a fim de garantir plena segurança em caso de batidas.

Cilindros do Mirai (em amarelo) são envoltos em fibra de carbono e fios especiais que garantem proteção em batidas. Teste do Euro NCAP não teve qualquer problema e o sedã recebeu cinco estrelas
Cilindros do Mirai (em amarelo) são envoltos em fibra de carbono e fios especiais que garantem proteção em batidas. Teste do Euro NCAP não teve qualquer problema e o sedã recebeu cinco estrelas (Divulgação/Toyota)
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Como o hidrogênio é o elemento com menor massa molar do Universo, ele também é extremamente leve: cerca de 5,6 kg de gás são suficientes para mais de 643 km de alcance sem “pé leve” a bordo do Mirai.

O H2 que sai dos cilindros passa pela protagonista da tecnologia, a célula de combustível a hidrogênio, que utiliza o elemento para gerar corrente elétrica. A grade frontal serve para coletar o oxigênio que se junta aos átomos de hidrogênio e formam água: único produto que sai do escapamento do carro.

Sob o capô, a célula de combustível utiliza o gás hidrogênio para gerar eletricidade que alimenta o motor elétrico traseiro
Sob o capô, a célula de combustível utiliza o gás hidrogênio para gerar eletricidade que alimenta o motor elétrico traseiro (Divulgação/Toyota)

A corrente gerada alimenta um motor elétrico traseiro, de 182 cv e 30,6 kgfm. Ou seja, o Mirai é um carro elétrico (do tipo FCEV) com torque instantâneo, rodar silencioso e tudo mais de positivo que a mecânica elétrica oferece. Também há frenagem regenerativa, que alimenta uma bateria minúscula de 1,2 kWh que serve como um “tampão” para eventuais variações na corrente gerada pela célula.

A maior diferença em relação a um elétrico convencional (os BEV) está no fio d’água que escorre periodicamente do assoalho.

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Botão
Botão “H2O” à esquerda do quadro de instrumentos esvazia o conteúdo do escape do Mirai: água (Divulgação/Toyota)

Não é à toa que o carro a hidrogênio (em seus diferentes tipos) atrai tanta paixão. Um BEV com alcance de 550 km, o Tesla Model S Plaid, tem 85 kWh de bateria, totalizando 540 kg só de células. Piorando tudo, a conta não é linear: dado o peso extra, um veículo com 640 km de alcance, por exemplo, tem em média 3 toneladas de peso total.

Além do desgaste mecânico gerado, muitas vezes o consumo energético devido ao peso extra simplesmente anula os ganhos de autonomia, ao mesmo tempo que aumenta consideravelmente o preço do carro e o tempo de carregamento. O último item, inclusive, é outro ponto forte do Toyota, que, em postos adequados, é abastecido tão rápido quanto um carro a gasolina. Disponível em países da Europa, Japão e na Califórnia (EUA), o Mirai é sempre lançado junto a uma rede mínima de postos de hidrogênio.

Carregamento do Toyota Mirai
Carregamento do Toyota Mirai é feito em instantes, com gás pressurizado a cerca de 700 vezes a pressão atmosférica (Divulgação/Toyota)
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Nos EUA, por exemplo, há subsídios que permitem ao modelo básico custar cerca de US$ 43.000, e os compradores ainda levaM US$ 15.000 de crédito para abastecer — como o quilo do hidrogênio custa cerca de US$ 13, isso é suficiente para encher os cilindros cerca de 230 vezes.

Sempre tem um “mas”

No caso dos BEVs, a maioria dos problemas não está na geração de eletricidade em si (algo dominado pelos humanos há séculos), mas principalmente no veículo em si. Nos FCEVs é ao contrário e, mesmo sendo o elemento mais abundante do Universo, dominar o hidrogênio ainda é um percalço.

Mirai de primeira geração sendo abastecido na Alemanha. Custo de instalação do posto de hidrogênio é um dos grandes desafios
Mirai de primeira geração sendo abastecido na Alemanha: custo de instalação do posto de hidrogênio é um dos grandes desafios (Divulgação/Toyota)

Hoje em dia, os pontos de abastecimento do Mirai utilizam hidrogênio produzido em usinas grandes e transportados por caminhões ou produzido em pequenas usinas no próprio posto. O armazenamento do gás é feito ou comprimindo-o a pressões que superam a pressão atmosférica em 700 vezes ou resfriando-o a -253º C; dois processos que consomem uma enorme quantidade energia.

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O método ideal de produção do H2, a eletrólise, também é muito “gastão”, e é aí que o Brasil começa a se destacar. O cada vez mais falado “hidrogênio verde” corresponde ao combustível gerado por fontes renováveis de energia, e as fontes hidroelétricas, eólicas e solares (potenciais ou já instaladas) fazem do país um potencial líder na geração dele. E a Toyota está de olho nisso.

Para atender os mais diferentes públicos, Toyota quer coexistência de híbridos, elétricos e carros a célula de hidrogênio
Para atender os mais diferentes públicos, Toyota quer coexistência de híbridos, elétricos e carros a célula de hidrogênio (Divulgação/Toyota)

A montadora acredita que o futuro dos transportes será baseado na coexistência de diferentes tecnologias, e o hidrogênio está entre elas. Os japoneses também sabem que aspectos socioeconômicos e geográficos devem ser levados em conta, e tanto o poder aquisitivo de país emergente quanto as dimensões continentais são aspectos que tornam o uso do hidrogênio mais desafiador ao Brasil — ao mesmo tempo que forçam os cientistas a trabalhar dobrado.

Avaliação da Toyota sobre o estado de diferentes tecnologias no Brasil

TECNOLOGIA INFRAESTRUTURA PREÇO
Híbrido flex Pronta Médio
Híbridos plug-in Acessível Médio/Alto
Baterias Insuficiente Alto
Hidrogênio Inexistente Muito alto

Outro aspecto importante é a oferta inigualável de etanol, que sempre tem baixas emissões de carbono. O álcool etílico pode ser utilizado para produzir hidrogênio através da reforma a vapor, um processo físico-químico que vem sendo estudado também pela Nissan para ser gerado dentro do próprio veículo.

No caso da Toyota, por outro lado, já há conversas para testar o Mirai em uma estação de reforma a vapor externa, o que diluiria bastante os custos de instalação do posto e tiraria dos engenheiros o fardo de fazer o mecanismo caber dentro de um automóvel.

Também há problemas de engenharia: posição dos cilindros e da bateria do Mirai tornam quase impossível a viagem com um ocupante no meio da segunda fileira
Também há problemas de engenharia: posição dos cilindros e da bateria do Mirai tornam quase impossível a viagem com um ocupante no meio da segunda fileira (Divulgação/Toyota)

Mas isso é apenas o começo e, enquanto o único Mirai do Brasil se “sacrifica” em nome da ciência, o lado dos consumidores é estudado nos mercados onde ele é vendido. Ao mesmo tempo, a montadora se junta à Volkswagen na aposta dos híbridos a etanol, enquanto também investe em tecnologias como a dos híbridos leves para que a eletrificação, em diferentes graus, possa chegar a pessoas com menor poder aquisitivo.

Toyota Mirai-3
Hidrogênio, que mantém a Terra viva através do Sol, também deve sustentar futuro da humanidade (Divulgação/Toyota)

Com a sinceridade típica dos orientais, a Toyota admite que o desafio é gigantesco, e as diferentes abordagens das montadoras frente à eletrificação mostra que ninguém tem certeza do caminho menos penoso. A frase do CEO do Toyota Research Institute, Gill Pratt, entretanto, é exibida quase que como um lema aos jornalistas brasileiros: “a solução perante a incerteza é a diversidade”.

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