Único dono, completo, ótimo estado… São palavras facilmente encontradas em anúncios de carros usados. Mas às vezes é preciso paciência na pesquisa das melhores ofertas e um pouco de sensibilidade para desvendar o real significado das palavras nos anúncios, a fim de fugir das armadilhas ocultas sob uma bela seleção de fotos e frases de efeito.
Não há dúvida de que as fotos foram um grande aliado na busca de um usado em anúncios, mas é necessário cautela para avaliá-las corretamente, para que o comprador não perca um tempo precioso indo até a loja para verificar um veículo cujo estado real é bem diferente do que se viu nas imagens.
O primeiro cuidado é diferenciar os veículos que foram fotografados à luz do dia daqueles que estão em garagens cobertas ou dentro de lojas. Evite anúncios em que a carroceria não é mostrada por inteiro ou que esteja em ambientes escuros. Tente ver os reflexos nas laterais para identificar latarias onduladas ou portas desalinhadas. Dê preferência a anúncios que tenham fotos grandes e variadas, pois em tese o dono desse carro não tem muito a esconder.
Ao telefonar, cheque se o veículo contém tudo aquilo que foi divulgado. Não é raro o comprador inspecionar o automóvel ao vivo e ouvir o vendedor dizer depois que o espelho elétrico ou o ABS que estava anunciado foi um engano de alguém da loja.
Cuidado também com preços. “O comprador deve ficar atento aos preços abaixo do mercado com a justificativa de que são frutos de sorteio, herança ou brinde. Essas são algumas das artimanhas usadas para explicar preços imperdíveis”, diz Rocha. “E desconfie de ofertas de quem diz ser funcionário de fabricantes. Pode ser um golpe (leia mais ao lado).”
Como podem tentar tapear você
Único dono ou carro de diretoria – “O carro ter um único dono ou ter sido usado pela diretoria de uma grande empresa não quer dizer que ele esteja em bom estado”, diz o gerente de vendas Carlos Roberto da Costa, há sete anos no mercado de usados. Para confirmar se o veículo teve um só dono, verifique se o nome que consta na nota fiscal ou no manual do proprietário é o mesmo que está na documentação atual.
Há, inclusive, um tipo de golpe desse tipo.
Baixa quilometragem – “O cliente tem que desconfiar sempre da quilometragem que está no veículo, pois hoje isso não é sinônimo de carro novo”, diz Julio Cesar Cassandro, há 19 anos no mercado. Pode até mesmo ser
Como não dá para confiar no hodômetro, cheque in loco se o desgaste dos pedais, dos bancos e do revestimento do volante está de acordo com a quilometragem. Veja os pneus: se a loja diz que o carro tem 20.000 km, eles não deveriam estar novos nem muito gastos, já que na média eles duram de 40.000 a 60.000 km.
A propósito, os hodômetros digitais, ao contrário do que as fábricas indicam, são facilmente adulteráveis. Uma maneira para descobrir o truque é checar no manual se as revisões estão carimbadas com as quilometragens corretas ou levar a uma autorizada e convencer um funcionário a conectá-lo num scanner oficial da marca, que pode revelar a quilometragem real do veículo.
A placa dianteira bem riscada também pode indicar que ele já rodou mais de 50.000 km. Na dúvida, leve o veículo até uma autorizada, que pode conectar o módulo a um scanner que vai acessar sua quilometragem original.
Procedência garantida – Mesmo que uma pesquisa mostre que não há alertas de furtos ou multas em atraso, ainda há o risco de o carro ser clonado. A boa procedência só pode ser de fato comprovada se o vendedor permitir que você leve o veículo até uma dessas empresas que fazem vistorias e emitem laudos técnicos. Laudos podem ser forjados, então garanta fazendo o seu na empresa que achar melhor.
Retoque na maquiagem – Carro velho com pintura muito brilhante e lisa pode esconder um truque, que é o uso de ceras coloridas. Elas ajudam a disfarçar pequenas diferenças causadas por repinturas malfeitas. Muitas vezes, o motorista só percebe depois que manda lavar o carro na próxima vez.
Para descobrir a artimanha é preciso verificar com atenção a carroceria em busca de riscos que podem estar encobertos pela cera.
Lavou, tá novo! – Mais um recurso para disfarçar vazamentos: mandar lavar o motor para dar a aparência de estar em perfeito estado. Cuidado. O fato de ele não apresentar marcas de vazamentos não significa que eles não xistam. É até preferível comprar um carro cujo motor esteja sujo de poeira e terra, pois mostra que ele provavelmente nunca foi aberto.
Além disso, nenhuma fábrica hoje recomenda lavar o motor periodicamente, a não ser em caso de enchentes ou uso severo fora da estrada, pois sempre há o risco de a água danificar componentes eletrônicos.
Impecável! – Nesse caso, verifique se há amassados nas portas (podem sofrer batidinhas em estacionamentos), rodas arranhadas (costumam ser raladas em guias) ou para-choques riscados (típicos de baliza). Os bancos têm ainda de estar limpos, sem rasgos e note se o banco traseiro está com a espuma afundada: certamente foi carro de aplicativo.
Painel e revestimento de portas não podem ter riscos nem descolorações causadas por sol ou lavagens malfeitas e atente ao estado da tampa do airbag do passageiro. Se o vendedor vacilar ao responder qualquer pergunta, desconfie.
A tal carga no ar-condicionado – “Só falta colocar gás no ar-condicionado” é o que sempre vão te dizer quando você testar o ar-condicionado e ele não estiver funcionando. Nunca é só o gás, algo relativamente barato e que só vaza do sistema quando há um defeito – não se troca o gás por tempo ou quilometragem.
Uma boa oficina vai cobrar por um fluido visível que indicará o vazamento e descobrirá por onde o gás sai. Aí pode ser desde a troca de uma peça, que pode ser uma junção barata ou mesmo a condensadora, que custa caro, e uma eventual solda não custa barato. E no final, aí sim, precisará de uma carga de gás. É por tudo isso que o vendedor não fez o conserto.
Debaixo do tapete – Para disfarçar rangidos da suspensão, alguns lojistas pulverizam a parte inferior da carroceria com fluido de transmissão automática ou algum outro tipo de óleo. Antes de fechar negócio, peça para colocar o veículo em um elevador de posto de combustível, por exemplo.
Manchas de óleo no assoalho são sempre um mau sinal, já que esses fluidos contaminam todas as borrachas e podem atacar as buchas e as mangueiras de freio.
Levou um couro – Você entrou no carro e adorou o volante e a alavanca revestidos de couro que parece novos em folha? Cuidado: num automóvel com mais de três ou quatro anos de uso essas peças não podem parecer que acabaram de sair da loja, pois o couro se desgasta com certa facilidade no contato constante da mão, ficando brilhoso.
Isso pode ser uma estratégia para esconder que as duas peças estão desgastadas demais, indicando que o veículo tem quilometragem muito maior do que parece ou baixa qualidade da peça, algo comum em Fiat e Volkswagen da década passada. Às vezes o volante original era de plástico, mas ganhou o couro só para disfarçar o excesso de uso, o que nesse caso geralmente passa dos 60.000 km.
O tal carro de leilão – Com os laudos de transferência se tornando cada vez mais exigidos pelos Detrans, os vendedores já se antecipam em dizer que o carro tem passagem por leilão, é “pequena monta” ou “média monta”, como chamam os carros recuperados de acidentes e que tiveram partes soldadas.
A passagem por leilão pode não constar no documento do carro e o vendedor vai destacar isso. Mas as seguradoras compartilham suas bases de sinistros e esse carro poderá não ter a apólice de seguro aceita. Carro de leilão é mais barato, mas fazer o seguro poderá ser um problemão.
CHECKLIST – O que verificar antes de comprar um carro pelos classificados
1. Leia atentamente o anúncio e anote os itens disponíveis. Tente ver nas fotos qual é o estado da lataria e do interior.
2. Pesquise em outros anúncios e nas tabelas de usados qual é o preço adequado para o veículo em vista. Pode ajudá-lo a conseguir um bom desconto ou a descobrir que o preço anunciado está justo ou até baixo demais.
3. Faça uma pesquisa sobre o site ou sobre a loja que vende o carro.
4. Questione o vendedor sobre levar um mecânico de confiança ao local ou o veículo até um serviço de vistoria técnica. Se ele confia no carro que tem, não deve se opor.
5. Pergunte se há o manual com as revisões carimbadas. Atesta que o carro foi bem mantido durante a garantia.
6. Peça placa e Renavam para checar no site do Detran local se há multas, restrições ou taxas em atraso.