Romi-Isetta: como era a produção do primeiro carro fabricado no Brasil
Tentamos colocar um fim em um dos assuntos mais polêmicos da industria automotiva: o Romi-Isetta veio antes da Vemaguet. Ou não?
Uma das maiores polêmicas da história da industria automobilística nacional é qual foi o primeiro carro fabricado no Brasil: Romi-Isetta ou Vemaguet?
A reportagem de Luiz Alberto Pandini, publicada na edição especial de Quatro Rodas Clássicos, em 2004, tentava colocam um ponto final nesse derby se valendo de apuração e do bom senso.
O Isetta era um projeto de carro barato e econômico, desenvolvido em 1950 para suprir a demanda de mobilidade da sociedade no pós-guerra na Europa. No Brasil, tornou-se carro design, um objeto de desejo. Artistas e famosos não abriam mão de ter o seu na garagem. Custava o mesmo que um carro maior. Na prática, era algo como um Smart.
Mas como o Isetta era leve e tinha centro de gravidade baixo, também ganhou as pistas de corrida.
Conheça a história da audaciosa e visionária empreitada da ROMI para iniciar a produção de automóveis no Brasil. Ou a primazia seria do Vemaguet? Tire você as conclusões.
A fábrica de ovos de colombo
Como era feita a Romi-Isetta, carrinho prático e econômico que, em 1956 inaugurou a produção nacional
Os registros são contraditórios. Segundo documentos oficiais, a perua Vemaguet, da Vemag, é considerada o primeiro carro nacional, apresentado em novembro de 1956. Porém, lendo qualquer artigo escrito por um bom conhecedor da história da indústria automobilística brasileira, descobre-se que o primeiro automóvel produzido no país chamava-se Romi-Isetta e foi lançado dois meses antes.
Um mínimo de bom senso aponta para a segunda alternativa. A Romi-Isetta foi efetivamente o primeiro automóvel industrializado no país, mas a divergência tem explicação.
Ainda em 1956, o presidente da República, Juscelino Kubitschek, criou o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), órgão governamental cuja atribuição era criar regras e condições para a implantação da Indústria Automobilística no país. Segundo as normas do GEIA, receberiam incentivos os automóveis convencionais, com, no mínimo, duas portas e quatro lugares.
Como a Romi-Isetta tinha apenas uma porta e dois lugares (ou três, caso o terceiro passageiro fosse uma criança), não teve benefícios como incentivos fiscais e importação de maquinaria e componentes a dólar subsidiado. Nem era considerado um automóvel de fato.
Como resultado dessa política, o preço da Romi-Isetta passou de 700 para 1.400 dólares da época. Ainda era o mais barato do país, mas com uma diferença muito pequena em relação à Vemaguet.
O projeto do carro data de 1950. Naqueles anos do pós-guerra, a Europa tinha necessidade de carros pequenos, baratos e econômicos. Surgiram então os bubble cars – ou “carros-bolha” –, modelos minúsculos criados para o uso urbano.
Em 1952, a Iso Rivolta começou a fabricar o Isetta (diminutivo da marca ISO em italiano), que se tornou o mais conhecido deles. Sua patente foi vendida a fabricantes da Alemanha, França, Espanha, Bélgica, Inglaterra, Áustria e Suécia. Em cada país, o nome dos Isetta era antecedido pelo do fabricante local.
Em 1953, foi a vez de a Romi, fabricante brasileiro de máquinas industriais, adquirir os direitos de produção. Os Isetta fabricados no Brasil seriam idênticos aos europeus, sem adaptações. Apenas os motores (inicialmente o Iso de 198 cm3, depois os BMW com 298 cm3) eram importados.
A Romi-Isetta tinha um processo de produção semelhante aos demais automóveis da época. A diferença é que praticamente todos os componentes eram entregues prontos por fornecedores. A Romi fabricava apenas o sistema de direção e o eixo traseiro.
A montagem do carro começava pelas partes mecânicas, com o chassi recebendo motor, câmbio, sistema de direção e eixo traseiro. Em seguida, era colocada a carroceria, que já era recebida pela Romi com pintura e tratamento. Na linha de montagem, as carrocerias ficavam suspensas por um guindaste para a colocação no chassi.
O passo seguinte era colocar os bancos, acabamentos internos, comandos e painel de instrumentos. Em seguida, o carro recebia rodas e pneus. A montagem era finalizada com a colocação do vidro dianteiro, das vigias laterais e traseira – feitas de acrílico para diminuir o peso –, da lona do teto solar, dos faróis e das lanternas. Nessa altura, o carro ia para um campo de provas para as últimas regulagens. Se tudo estivesse em ordem, recebia o selo de aprovação final.
O processo era completado com a colocação de emblemas, calotas e outros detalhes de acabamento.
A montagem de cada Romi-Isetta demorava de 50 a 70 horas. A variação, aparentemente grande, é explicável porque o processo poderia ser interrompido pelo final do turno diário ou pela ocorrência de final de semana e feriados. Ao todo, cerca de 90 pessoas lidavam com a linha de montagem.
A Romi fabricou cerca de 3.300 Isetta. Na Alemanha, a BMW chegou a vender 200.000. Diversas reportagens sobre o carro dão conta de que sua fabricação teria cessado no final de 1959, com alguns carros sendo montados até 1961 aproveitando peças remanescentes. Informação contestada por Eugênio Chiti, filho de Carlos e atual superintendente de Marketing da Romi. “O carro foi produzido normalmente, sem paralisações, entre 1956 e 1961”, afirma.
Uma vida na Romi
Já se passaram quase 50 anos, mas os detalhes sobre a fabricação da Romi-Isetta estão nítidos na memória de Carlos Chiti, filho de Olímpia Romi (que se casou com Américo Emilio Rommi, dono da empresa, depois que o pai de Carlos morreu), ele começou a trabalhar com o padrasto aos 13 anos. Hoje, aos 89, este italiano de Firenze ainda dá expediente na empresa como membro do Conselho Consultivo.
“Trouxemos dois carros, desmontamos e chegamos à conclusão de que era possível fazê-lo aqui”, diz Chiti. “Queriamos chegar a 50.000 carros produzidos por ano, mas o poder de compra da classe à qual ele se dirigia ainda era pequeno e inibiu as vendas.” A Romi, então concentrou-se apenas naquilo que já fabricava antes: máquinas industriais. Atualmente tem sede em Santa Bárbara d’Oeste, SP.