Produto final do projeto BX, que consistia em uma solução local para substituir o cada vez mais obsolescente Fusca no Brasil, o Volkswagen Gol tinha tudo para dar errado.
Basicamente, ele incorporava todos os elementos que a matriz da marca na Alemanha havia rejeitado no projeto do Golf, que QUATRO RODAS contou recentemente.
Os faróis quadrados, o motor refrigerado a ar, tudo aquilo que havia sido reprovado durante o desenvolvimento do Golf acabou sendo aproveitado pelo nosso Gol, que começou a ser produzido em Taubaté (SP) há exatos 40 anos.
No caso das linhas retilíneas, deu certo: seu visual foi muito bem assimilado pelos brasileiros e logo serviria de inspiração para a criação de modelos rivais.
Já a escolha pelo propulsor 1300 refrigerado a ar herdado do Fusca se mostrou um erro estratégico que, por pouco, não significou o fracasso do modelo.
Com meros 50 cv, o veterano propulsor com carburador simples de 1.3 litro deixava o novo hatch com desempenho pífio. Para se ter ideia, o compacto demorava mais de 30 segundos (!!) para ir de 0 a 100 km/h.
Isso sem falar no barulho, que poderia ser charmoso em um projeto antigo como Fusca ou Kombi, mas que não combinava com um carro de linhas modernas como o Gol. Não tardou para que viessem apelidos como “batedeira”.
A VW bem que tentou corrigir os rumos já em 81, lançando a versão 1600, com 55 cv, mas esta não seria suficiente para desfazer a má fama de carro manco.
Resultado: as concessionárias tinham dificuldades enormes de vender o hatch.
O mesmo não acontecia com os irmãos Voyage (sedã) e Parati (perua), que já chegaram às ruas empurrados pelo 1.5 arrefecido a água herdado do Passat (e do Golf alemão), muito mais potente e elástico.
Navegando por novas águas
No caso do Gol, foi só em 84, com a chegada da versão de pegada esportiva GT, que o modelo se rendeu à refrigeração líquida, utilizando um 1.8 com carburador de corpo duplo e 99 cv declarados.
Com ele, o 0 a 100 km/h passou a ocorrer em pouco mais de 10 s. Agora sim!
Além disso, o visual era incrementado por faróis de longo alcance, grade pintada na cor da carroceria, uma enorme inscrição GT e 1.8 na tampa do porta-malas e as clássicas rodas Avus aro 14.
O Gol GT ajudou a ressuscitar a reputação do Gol e embalou as vendas do modelo, que em 85 recebeu outras duas versões refrigeradas a água, S e LS, ambas usando o 1.6 de Passat, Parati e Voyage.
Em 86, a versão GT adotou o propulsor 1.8 da família AP, com igual potência declarada (embora se estimasse na época que ele passava facilmente dos 100 cv). No mesmo ano, as opções a ar enfim foram ceifadas da linha.
O primeiro facelift ocorreu em 87, trazendo capô, faróis, grade, lanternas traseiras e para-choques redesenhados.
A versão GT passou a se chamar GTS, embora mantendo o AP 1.8 sob o cofre. Foi nesto momento que surgiram as lendárias rodas orbitais.
No ano de 89, o Gol GTi surgiu como o primeiro carro produzido nacionalmente a contar com injeção eletrônica no lugar do cada vez mais anacrônico carburador.
Apresentado no Salão do Automóvel de São Paulo de 88, o Gol GTi encantou ao trazer um propulsor AP 2.0 de 120 cv, além de visual com faróis de longo alcance, molduras laterais na cor cinza, aerofólio traseiro e rodas orbitais com desenho exclusivo.
Por outro lado, também em 89 a VW trocou o motor 1.6 AP pelo CHT compartilhado com a Ford (ah, Autolatina…), fazendo as versões intermediárias do Gol perderem desempenho.
A segunda reestilização de meia vida chegou em 91, incorporando ao visual faróis mais espichados, com traços internos diagonalizados e arestas levemente arredondadas.
Duas primaveras mais tarde o Gol enfim incorporava à gama a versão 1000, com pegada totalmente simples (para não dizer simplória) para enfrentar o cada vez mais popular Fiat Uno Mille.
A segunda geração, apelidada de “bolinha”, chegou em 94 aproveitando ainda uma boa parte da plataforma do primeiro Gol.
No entanto, sua silhueta arredondada transformaria o padrão estético dos compactos brasileiros (vide Fiat Palio e Chevrolet Corsa), com reflexos sentidos até hoje em nosso mercado.
Tinha versões 1.0, 1.6 e 1.8, além do esportivo GTI 2.0. Uma curiosidade quanto ao motor 1.6 é que, de 95 para 96, ele perdeu 5 cv de potência (86 para 81 cv) a fim de atender às novas normas de emissões nacionais.
Também em 1996, o Gol GTI adotou um propulsor 2.0 com 16 válvulas de 145 cv. O cabeçote maior, dotado de quatro válvulas por cilindro, obrigou a fabricante a criar um bizarro calombo no capô do hatch.
Ao longo da geração, a VW muniu os 1.6 e 1.8 AP com injeção eletrônica e trocou o 1.0 HT pelo 1.0 AE derivado dos Ford CHT, criando assim uma nova família de motores, a EA111. Também lançou a configuração quatro-portas.
A primeira modificação visual do Gol bolinha veio em 1999, ficando conhecida como “G3”, embora não passasse de um facelift.
Foi com ela que, em 2003, a Volkswagen lançou no Brasil a versão 1.6 Total Flex, transformando o Gol no primeiro carro brasileiro a ter motorização flexível entre o uso de gasolina, etanol ou qualquer combinação possível entre os dois combustíveis no tanque.
Três anos antes, a VW apostava pela primeira vez em uma versão 1.0 turbo, com 112 cv, 15,8 kgfm e comando variável de válvulas. Problemas de confiabilidade do conjunto, porém, inviabilizaram sua popularização.
Já a versão GTI ganhou cabeçote de origem Audi importado da Alemanha para chegar a 153 cv, tornando-se o Gol mais potente e rápido já produzido até então.
Sua velocidade máxima era de 209 km/h, mas o alto custo do projeto levou a uma descontinuação prematura.
Em 2005, veio a segunda renovação estética para a geração 2 (conhecida como G4).
Nela, a VW optou por um caminho mais popularesco, empobrecendo o acabamento e eliminando o motor 2.0 da gama a fim de posicionar o Gol num patamar abaixo do recém-lançado Fox.
A terceira geração foi lançada em 2008, apenas nas configurações 1.0 e 1.6 8V, sendo esta última oferecida com opção de câmbio automatizado monoembreagem i-Motion a partir do ano seguinte.
Este Gol foi o primeiro a ser testadao pelo Latin NCAP, em 2010, tirando uma de cinco estrelas possíveis na proteção para adultos e duas para crianças na versão sem airbags, resultado considerado muito ruim.
Nesse mesmo período, muitos proprietários de Gol, Fox e Voyage 1.0 8V começaram a reclamar de ruídos e desgaste prematuro de componentes. O caso se arrastou por alguns anos, até enfim virar um recall.
Em 2012 viria uma nova reestilização, dando ao Gol visual semelhante ao do novíssimo Golf 7. Em 2016, outra pequena atualização estética veio acompanhada da adoção do motor 1.0 três-cilindros 12V herdado de Up! e Fox Bluemotion.
Por fim, em 2018, o Gol aposentou o câmbio i-Motion e passou a usar o motor 1.6 MSI 16V aliado à caixa automática de seis marchas da Aisin nas versões de topo.
Em 2014, porém, o modelo já havia perdido o posto de carro mais vendido do Brasil primeiro para o Palio e, a partir de 2015, para o Chevrolet Onix, que desde então não largou mais a posição.
De lá para cá, vem ocupando papel discreto no ranking de vendas, com maior apelo mercadológico a vendas diretas e uso entre frotistas.
Ainda assim, até o fechamento de 2019 o Gol era o modelo mais vendido na história do mercado automotivo brasileiro.
São 6.421.447 unidades comercializadas, quase o dobro dos 3.310.863 exemplares comercializados pelo Fiat Uno, segundo colocado. O Fusca, a quem o hatch substituiu, registrou 3.037.402 vendas ao longo de seus dois ciclos de produção no país.
Considerando também as exportações, o Gol já teve mais de 8,5 milhões de unidades produzidas desde abril de 1980 até abril de 2020, sendo também o carro mais vezes fabricado na história de nossa indústria.
E o futuro? Este ainda é incerto. Há, em desenvolvimento, o projeto VW246 ou A0 SUV, um utilitário esportivo de pegada extremamente popular que já é chamado por membros da VW como “novo Gol”.
Sua produção está programada para começar em 2022, justamente em Taubaté. Entretanto, por causa da pandemia do novo coronavírus, o projeto foi congelado pelo menos até agosto, e sua continuidade está ameaçada.
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