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A casa dos brinquedos de Ayrton Senna

Refúgio do piloto na fazenda de Tatuí permanece impecável e intocado

Por Marcelo Moura
Atualizado em 21 mar 2017, 19h03 - Publicado em 11 nov 2015, 14h32

Casa dos brinquedos de Ayrton Senna

* reportagem originalmente publicada em agosto de 2010

Ayrton Senna teve a rara oportunidade de escolher qualquer ponto no planeta e construir ali o seu lugar do jeito que quisesse. Resolveu fazer duas vezes, uma casa de praia em Angra dos Reis (RJ) e esta fazenda em Tatuí (SP).

O mundo que ele criou é assim: árvores foram plantadas porque dão frutos apreciados pelos pássaros da região. Há uma plantação de milho doce, raro no Brasil, que é comido com manteiga feita de leite caseiro e suco feito de caju colhido no pé. No grande lago, peixes vêm comer na mão com uma fome que surpreende.

Milton Senna, pai de Ayrton, pede cuidado aos visitantes: “Outro dia, o presidente Lula veio conhecer o lago. Disse para ele ir devagar, mas respondeu que não precisava de conselho, que pescava desde pequeno e tudo mais. Veja só, acabou perdendo o dedo”. Os 83 anos de idade não lhe tiraram a picardia. O senhor Milton fala sério e faz piadas, é discreto, mas se impõe.

O mundo que Senna criou é simples, com casas de tijolo aparente. Ambição, se existe, é a de manter tudo em ordem. Não há grama crescida e mesmo um Voyage branco, com mais de 20 anos, parece em boa forma.

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Um antigo funcionário conta que Ayrton inspecionava não só seus próprios carros, mas também a frota de serviço. Quando encontrava algo sujo ou com defeito, chamava o responsável. Não dava bronca. Perguntava o motivo e como podia ajudar a resolver. E então ia atrás do que fosse preciso, em busca da perfeição.

Casa dos brinquedos de Ayrton Senna

Dentro de seu mundo, Senna escolheu um lugar para chamar ainda mais de seu. Uma casa à beira do lago, não mais de 200 m2, feita para guardar seus brinquedos de gente grande.

No andar de baixo, motos, bugue, quadriciclos e um barco. Um pequeno guindaste foi instalado no teto para poder tirar os jet-skis do suporte e levá-los até a água. Para evitar fios de extensão, tomadas elétricas são enfileiradas na parede em intervalos de 1 metro. Idem para os pontos de ar comprimido, para encaixar mangueiras de engate rápido.

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A porta elevadiça de madeira e as escadas, com piso antiderrapante, levam ao segundo andar.

Casa dos brinquedos de Ayrton Senna

Na parede e em prateleiras, máquinas de terra, mar e ar: sete carros, um hovercraft, um helicóptero, sete aviões e duas lanchas, tudo por controle remoto. “O caça na prateleira acima da janela é um F-18 Hornet. Parece a jato, mas tem hélices dentro”, diz o primo Fábio Machado, companheiro de brincadeira.

“Esse aviãozinho vermelho não tem controle de aceleração. Você liga o motor e joga para a frente, para ele sair do lugar. Controlar é difícil, porque não há como modular a velocidade. O Ayrton usava no mirante de Santana, perto de onde moravam. Quando o combustível acabava, após uns 10 minutos, tinha que controlar o avião planando pelas ruas do bairro, no meio do trânsito, enquanto achava um lugar para descer.”

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“O que tem escrito Dash 45 era muito rápido, o Marlboro também, era desses que ele gostava. O verde, cinza, azul e amarelo tem motor de quatro tempos, é um avião mais de força que de velocidade. Foi presente do pessoal da Honda, após o título de 1991.” A miniatura 1:10 do Honda NSX, carro que Ayrton ajudou a desenvolver, foi presente de concessionários da Bélgica: “Honda belgian dealers 25-08-1991”.

Isso é um ponto importante na pequena frota. A maior parte das miniaturas não foi comprada, algo que qualquer rico como ele seria capaz de fazer. Foi ganha. Alguém se dedicou a procurar, escolher e presentear, com dedicatória. “O Ayrton gostava de colecionar esse tipo de coisa”, diz Fábio. “A Renault tirou o turbocompressor do carro que o levou à primeira vitória, pela Lotus, prendeu num pedestal e deu de presente. Ele gostava mais disso que dos troféus.”

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Dentro de dois baús, caixas de sapato dos anos 80 guardam as peças de reposição. Trens de pouso, rodas e motores ainda fechados na embalagem, tudo identificado pela caligrafia algo tortuosa de Ayrton. No meio da ordem, o bico de um aeromodelo estraçalhado. “Foi esse o avião que ele quebrou quando derrubou o meu”, diz Fábio. “Ficou guardado.”

Casa dos brinquedos de Ayrton Senna

Enquanto jet-skis e motos do primeiro andar continuaram em uso, o segundo andar foi congelado. O tempo ficou suspenso, parado em 1º de maio de 1994. Sob a bancada usada para montar e desmontar as miniaturas, garrafas de combustível e óleo continuam lado a lado, com lacre de fábrica – embora já tenham envelhecido o suficiente para não fazerem mais efeito.

A lata do spray anticorrosão já traz ferrugem além do superficial. Não é possível saber a data de fabricação porque são de uma época em que as embalagens não traziam isso. “Cinco anos depois, eu voltei a entrar aqui”, diz Milton. “A parafusadeira elétrica ainda tinha carga na bateria. Agora parou.”

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Durante a tarde de reportagem, a travessa de uma cadeira se quebrou. É uma cadeira dobrável feita com ripas de madeira, comum em salões de festas e botecos. Uma nova custa menos de 40 reais, mas Fábio guardou no carro: “Vou levar para restaurar em São Paulo.”

Casa dos brinquedos de Ayrton Senna

Parados há 16 anos, os objetos da sala começam a envelhecer. Quanto vão durar? Manter tudo arrumado, como se Ayrton estivesse prestes a chegar de viagem novamente, ajuda a preservar a memória.

Ao mesmo tempo, a vida longa daqueles brinquedos nascidos para durar pouco reforça o absurdo do que aconteceu naquele dia de maio de 1994. “É tão estranho”, diz Fábio. “Às vezes as pessoas vão tão de repente… Como as coisas duram, né?”

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