Fórum Direções QUATRO RODAS: os melhores debates e ideias
Evento analisou as perspectivas e tendências da indústria e do mercado automobilísticos
A terceira edição do Fórum Direções QUATRO RODAS reuniu os principais nomes da indústria e do mercado automotivo brasileiro em torno de temas fundamentais para o futuro, tendo destaque, claro, a grave crise que o setor atravessa e os caminhos para recuperar o crescimento.
Entre palestras sobre a situação e os planos de grandes marcas e debates sobre a nacionalização, o pós-venda e o mercado de luxo, houve espaço para análises fortes e polêmicas – como a do economista Marcos Lisboa, que argumenta que o próprio setor automotivo criou, junto ao governo, um papel protecionista que custou sua competitividade frente aos mercados internacionais.
Anfavea defende ganho de competitividade e programa de renovação de frota
Presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Antônio Megale começou sua palestra com um panoramal da indústria e do mercado. As vendas de automóveis no país, em queda desde 2013, devem fechar 2016 com uma nova redução de dois dígitos (-19%), com previsão de 2,080 milhões de emplacamentos – em 2012, foram 3,802 milhões.
A exportação de veículos produzidos por aqui, porém, continua aumentando: se em 2014 foram 334 mil unidades, em 2016 a previsão da Anfavea é de que 507 mil automóveis sejam comercializados em outros países. Por causa disso, Megale defende que, mais do que se recuperar no mercado interno, a indústria brasileira precisa ganhar competitividade para atuar no mercado global. “Precisamos escolher se vamos competir em um mercado de 3 milhões de unidades (o brasileiro) ou em um mercado de 90 milhões de automóveis (o global)”, disse.
Megale também defendeu a criação de um programa de inspeção veicular nacional como parte de um plano maior de renovação de frota, que a Anfavea prefere chamar de programa de sustentabilidade veicular – no qual os proprietários de veículos muito antigos e sem condições de rodar receberiam algum tipo de benefício para adquirir um modelo mais novo e, em troca, encaminhar o velho para reciclagem.
“Haveria muitos benefícios: redução de emissões, geração de renda, maior segurança e fluidez no trânsito, redução dos pátios de guarda de veículos e menores índices de consumo de combustível.” O executivo acredita que a matéria-prima que seria encaminhada a usinas poderia até provocar uma queda no preço do aço.
Para o setor de autopeças, situação é grave e exige investimentos
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Dan Ioschpe, presidente do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) e Besaliel Botelho, presidente da Bosch América Latina, dividiram o palco em um painel que abordou os desafios para aumentar a nacionalização de autopeças – e deixaram claro que os obstáculos a superar são grandes, concentrados principalmente nas pequenas fabricantes.
Os debatedores explicaram que a produção de veículos no Brasil é bem ramificada, formando uma longa cadeia de empresas. Exemplificando, quem produz um parafuso não o fornece à montadora, mas sim a uma segunda empresa que o utiliza em um suporte, que por sua vez é enviado a uma terceira que o encaixa em um velocímetro, que depois segue a uma quarta que o une a outros instrumentos formando um painel que, só aí, chega finalmente à fabricante de veículos. Tomando-se este exemplo, a preocupação está concentrada justamente na fabricante do velocímetro para baixo.
“Essas empresas não investiram em tecnologia simplesmente porque não tinham dinheiro para isso, e agora precisamos descontar este atraso”, afirmou Ioschpe. “Vivemos uma mudança tecnológica nos veículos, e para que as autopeças possam acompanhá-la é preciso investimento”, complementou Botelho.
Para eles, o programa Inovar-Auto (em vigor desde 2012 e com término no final de 2017) incentivou as montadoras a abrirem novas fábricas no país, mas não conseguiu ajudar o setor de autopeças. Na opinião do executivo da Bosch, inclusive, o programa atrapalhou: “A regra da rastreabilidade, que obriga as empresas a indicar a origem das peças em relatórios que seguem de empresa a empresa, aumentou ainda mais um processo burocrático que já era enorme.”
A situação seria mais crítica no que se refere aos componentes eletrônicos, que continuam sendo importados quase em sua totalidade. Para o Sindipeças a solução é uma só: a criação de uma política específica para o segmento, que insira as autopeças brasileiras no mercado internacional, aumentando assim a escala de produção e a competitividade. Com isso as empresas ganhariam fôlego financeiro para modernizar-se.
Marcos Lisboa: a indústria automotiva é vítima dela própria
Para Lisboa, a indústria de veículos se tornou dependente de incentivos, o que a fez perder competitividade e eficiência. “O setor automotivo é o mais protegido da economia brasileira”, disse, embasado com dados que mostram como a produtividade do trabalhador brasileiro diminuiu nos últimos anos, ao invés de aumentar.
Crítico do Inovar-auto, Lisboa afirmou: “Regras de conteúdo local geralmente não funcionam. Ganhos de competitividade vêm de bens de capital e insumos mais eficientes”.
Para ele a política tributária adotada no Brasil para o setor industrial, e em particular o automotivo, pode ser considerada inexplicável: “Ao mesmo tempo em que são extremamente taxadas, as fabricantes de veículos ganham benefícios como juros abaixo da inflação via BNDES.”
Nem tudo está perdido, entretanto: para o economista, essa fase é propícia para a busca por mudança. “Os erros nos últimos anos foram tantos que apenas a correção já seria suficiente para abrirmos novas janelas de oportunidades. Se enfrentarmos nossas dificuldades agora e promovermos medidas de ajuste fiscal, temos chance de retomar o crescimento. ”
O diretor-presidente do Insper acredita que o ideal seria eliminar todos os incentivos e abrir o mercado. “O governo não deveria ajudar as fabricantes, e sim estabelecer regras e a partir delas deixar o mercado funcionar livremente.”
Volkswagen revela nova identidade e planos para o futuro no Brasil
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A terceira edição do Fórum Direções QUATRO RODAS marcou a primeira apresentação pública de David Powels, presidente e CEO da Volkswagen do Brasil e América do Sul. O executivo destacou as mudanças pelas quais a estratégia da empresa no país deve passar nos próximos anos.
Segundo Powels, a imagem da VW no Brasil hoje é de uma fabricante conservadora, que oferece produtos convencionais. Seus consumidores possuem em média 46 anos, gastam aproximadamente R$ 48,5 mil na compra de um automóvel e escolhem os carros da marca por sua boa reputação e experiências anteriores.
Os planos para o futuro próximo são reduzir essa média de idade para 38 anos, aumentar o tíquete médio para R$ 55 mil e oferecer produtos com tecnologia alemã mas design brasileiro, mais inovadores e pensados para as pessoas que irão consumi-los.
Parte dessa estratégia já pode ser vista no novo slogam da marca, “Inspirada na sua vida”, que substitui o sissudo “Das Auto”, deixado de lado já há alguns meses, quando a empresa passou a adotar simplesmente o nome Volkswagen em sua assinatura abaixo do logo.
O executivo afirmou que a nova estratégia será baseada em três pilares aplicados aos seus veículos: tecnologia, conectividade e robustez. Segundo Powels, tais características estarão bem explícitas nos próximos lançamentos da VW no Brasil – quatro novos modelos e uma nova plataforma, revelou.
Todo este processo será profundo e, por isso, de longo prazo. “O primeiro passo é transformar a cultura dentro de casa. Para mudar nossa imagem precisamos mudar os produtos, os processos, a propaganda e muitas outras coisas. É um desafio grande, não é algo que acontecerá em 6 ou 12 meses.”
O resultado final, porém, a princípio não passa pela retomada do primeiro lugar em vendas, perdido há mais de uma década. “Ter o cliente satisfeito é mais importante do que ser líder de mercado”, argumentou. Parte dessa satisfação estará também no pós-venda, acrescentou Powels, que buscará melhores maneiras de manter os clientes fiéis à rede de concessionárias mesmo após o fim da garantia.
As estratégias das marcas de luxo para ganhar espaço no mercado
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Enquanto as vendas de automóveis no Brasil registram quedas desde 2013, o segmento de luxo continuou a crescer, atingindo a melhor marca de sua história em 2015, com 60 mil unidades vendidas, equivalente a 2,7% do mercado brasileiro – em 2014, este percentual foi de 1,4%.
Para Thiago Lemes e Martin Fritsches, respectivamente diretores de vendas de Audi e BMW no país, a expansão das redes de concessionárias para outras regiões e cidades além do eixo Rio-São Paulo foi importante para aumentar o volume das vendas. Outro fator fundamental foi o lançamento de versões de entrada, com preços bem próximos aos modelos topo de linha das montadoras de maior volume.
Com isso, houve duas quebras de paradigmas: a veiculação de propagandas em plataformas de maior alcance, como a TV aberta, e a inclusão de preços dos veículos nas propagandas. “Era um tabu, mas em muitos casos passou a fazer sentido exibir o preço e as condições de financiamento, para demonstrar que um modelo poderia ser acessível a uma faixa de compradores que buscava um veículo topo de linha das fabricantes de maior volume”, explicou Gabriel Patini, diretor de marketing e produto da Jaguar Land Rover para América Latina e Caribe.
“Chegamos a perder vendas porque o cliente simplesmente não sabia que a diferença de preço era bem menor do que ele imaginava, especialmente quando diluída em um plano de financiamento. Se soubesse, teria preferido um produto nosso”, disse Dirlei Dias, gerente sênior de vendas e marketing da Mercedes-Benz.
O ano de 2016 não será tão bom, com previsão de queda para 2,5%. Mais importante, porém, é a conclusão de um ciclo de estabelecimento das marcas do segmento de luxo como produtoras nacionais: Audi, BMW, Jaguar Land Rover e Mercedes-Benz agora têm fábricas aqui e procuram se adequar a esta nova realidade.
Estima-se que as marcas premium instaladas no país têm capacidade para produzir 100 mil veículos ao ano. É menos do que o mercado interno pode absorver no momento atual, mas isso não chega a preocupá-las a ponto de cogitar um fechamento prematuro das fábricas. Martin Fritsches explicou que os investimentos foram realizados pensando-se em prazos alongados, e há alternativas – a BMW, por exemplo, exporta o X1 fabricado em Santa Catarina para os Estados Unidos como forma de compensar um volume de vendas no Brasil abaixo do estimado.
Além disso, todos acreditam que ainda há um grande potencial para o setor de luxo no Brasil. “Se por aqui atingimos 2,7% do mercado total, na China este índice é de 10%. Na Europa, chega a 20%”, afirmou Fritsches. Lemes projeta um crescimento de 2% ao ano, podendo alcançar um volume entre 100 mil a 200 mil unidades nos próximos 10 anos.
Os executivos também destacaram o fato de o mercado de luxo exigir um atendimento ao cliente à altura de suas expectativas – um desafio principalmente no pós-venda, devido à menor estrutura das redes e menor escala dos fornecedores.
Pós-venda, a chave-mestra da fidelização do cliente
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O pós-venda pode representar tanto o céu quanto o inferno para uma fabricante de veículos que deseja manter seus clientes fidelizados. Para Paulo Solti, diretor geral da Citroën, um dos maiores desafios é atender às expectativas de duas gerações. “Um jovem, por exemplo, prefere receber um orçamento ou aviso de que seu carro está pronto por WhatsApp, o que já praticamos. Mas não adianta nada oferecer isso para um consumidor da terceira idade. Temos que saber responder a todos os tipos de necessidade com a mesma eficácia”, diz.
Fernando Espírito Santo, gerente geral de serviços da Hyundai Motor Brasil, salientou que a área engloba muito mais do que a mera realização de reparos. “O pós-venda representa o elo entre o consumidor e a fabricante. Se ele for atendido em todas as suas necessidades, acaba se transformando em uma espécie de embaixador da marca.”
Evandro Maggio, diretor de pós-vendas da Toyota, acrescentou que hoje nem sempre essa relação começa com a venda de um zero-km. “Muitas vezes o cliente chega à rede como o segundo ou até o terceiro proprietário do veículo, devido aos maiores prazos de garantia oferecidos hoje. Isso se transforma no canal para uma futura venda de um modelo novo.”
Certo é que com a popularização da conectividade nos carros o pós-venda tende a crescer ainda mais em importância, tanto em serviços quanto na interação com a marca – muitas delas já oferecem apps que indicam o momento de revisões e fazem agendamento, por exemplo. “O aplicativo da Hyundai tem um botão para acionar o SAC e por meio dele a atendente já obtém a localização do carro para prestar socorro em caso de necessidade”, afirmou Espírito Santo. Solti, da Citroën, acrescentou: “O pós-venda caminha para estar totalmente dentro do carro, agregando cada vez mais serviços”.
Os três concordaram ainda em um ponto: a transparência nas relações é fundamental. “A adoção de um preço fixo nacional para os serviços é um bom exemplo, bem como realizar o reparo correto no tempo combinado”, assegurou Maggio. Segundo ele a Toyota utiliza uma ferramenta para medir sua eficácia neste quesito, que atualmente aponta índice positivo de 95%.
FCA quer se especializar em um novo tipo de consumidor
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O que realmente deseja o consumidor de automóveis? Para Stefan Ketter, presidente da FCA (Fiat Chrysler Automobiles) na América Latina, nem o próprio cliente às vezes sabe a resposta.
“Percebemos que muitas vezes o cliente não consegue expressar o que deseja, ou deseja tudo ao mesmo tempo: desempenho de esportivo com espaço de van, praticidade de compacto e preço de popular… o que daria resultado a um Frankenstein. Por isso acredito que a inovação e a surpresa são as chaves principais para atendê-lo.”
Para Ketter a FCA está conseguindo reverter uma antiga concepção de que produtos brasileiros são inferiores aos estrangeiros. “A picape Fiat Toro é um ótimo exemplo: ela foi inteiramente desenvolvida e desenhada no Brasil e atraiu a atenção do mundo. Recebemos muitos pedidos para exportá-la.”
Em sua palestra ele elencou importantes características do consumidor brasileiro: o país é a quinta maior base de smartphones do mundo, com metade de sua população acessando a internet. Ketter salientou que, por isso, geralmente o cliente é muito bem informado. “O consumidor de veículos ficou digital. 96% pesquisam na internet sobre um modelo que desejam comprar. Enquanto isso, o número médio de idas a concessionárias antes de fechar o negócio caiu para 1,7, sendo que há poucos anos esse índice era de 5 visitas.”
Este processo de modernização dos dois lados está bem longe de terminar, com a conectividade assumindo um papel fundamental. Para o futuro ele vê uma clara tendência do carro agregar serviços e se transformar em um aplicativo, “e não o contrário”.
Por isso, afirmou, a indústria automotiva brasileira precisa acompanhar esta evolução. “Não podemos ficar defasados com relação ao resto do mundo. Em 2030 15% dos veículos serão autônomos, e o Brasil tem que participar dessa transformação”.
Ele lembrou ainda que hoje as fabricantes de veículos negociam com fornecedores que nunca lidaram antes, como as empresas de tecnologia – a própria FCA tem um acordo com o Google para desenvolver carros autônomos.
Na apresentação Ketter também confirmou, mesmo que de forma bem suave, novidades como os motores tricilíndricos para modelos da gama Fiat e a breve chegada de um novo modelo nacional da Jeep: “Logo mais a nova história da Jeep no Brasil, a partir da fábrica de Pernambuco, estará completa.”