Jeremy Clarkson: ah, esse estilo Bauhaus…
O Audi TT é sublime ao dirigir, freia bem e ainda é prático e econômico. Mas eu não compraria: é como usar uma cueca feita por uma marca de lingerie
Eu estava tremendamente bêbado no evento de apresentação do primeiro Audi TT, em 1998, e não consigo me lembrar muito do que aconteceu. Eu estava na Itália, ou talvez na França, e acho que me recordo de que um dos convidados, que encontrei pela primeira vez ali, era um pedante chamado James May. Na interminável coletiva de imprensa, que durou uns dois dias, os engenheiros alemães discorreram sem parar sobre cada porca e cada parafuso do carro, e tudo isso acabou virando uma névoa cinzenta. Mas ainda me lembro de um deles falando que o estilo era muito, muito Bauhaus.
O fato me pareceu importante, por isso, quando testei o carro na primeira encarnação do Top Gear, achei que era uma boa ideia mencioná-lo. Assim, fiz cara de sério e disse: “O estilo é muito Bauhaus”. Outros jornalistas, inclusive o pedante que se revelaria o James May, fizeram basicamente a mesma coisa. Todo mundo fez. E logo todos no ramo da gasolina e ronco de motor estavam falando sobre esse magnífico novo Audi: “Eu adoro o estilo Bauhaus”, todos eles disseram, mesmo que nenhum tivesse a menor ideia do que era esse tal de Bauhaus.
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Em termos simples, parece significar “aquilo que é do gosto de aeromoças”. Porque rapidamente essa se tornou a base do mercado do TT aqui no Reino Unido. Sério! Cada TT que eu vejo está sendo dirigido numa rodovia por uma mulher com um lenço desarrumado no pescoço e pele em tom alaranjado. É um pouco estranho. A Audi fez um carro esportivo. Com motor turbo, tração nas quatro rodas, elegante e dinâmico e Bauhaus, que podia andar a mais de 240 km/h. No entanto, ele foi comprado por pessoas que o dirigiam até o estacionamento do aeroporto e o deixavam lá enquanto voavam até Miami.
Analisando o passado, posso ver a razão. Ele era curvilíneo. E carros curvilíneos, como Nissan Micra e Lexus SC 430, não têm apelo para os homens. Eles parecem amigáveis e meio subservientes. Curvas não são agressivas e, como resultado, não têm lugar no mundo masculino das linhas retas das armas e caças a jato. A principal razão pela qual homens não comem alfaces é porque elas são curvilíneas demais. Preferimos batatas palito e KitKats, que não são.
Agora a Audi chegou à mesma conclusão e, por isso, o novo TT perdeu as linhas curvas. Há vincos fortes e ângulos agudos por todo o carro, e acho que o visual resultante é tremendo. Por dentro ele é ainda melhor. Com a exceção do Lexus LFA, este é provavelmente o melhor interior de carro que já encontrei. Os bancos no meu carro de test-drive eram feitos de couro acolchoado, do tipo que você encontra em um Bentley que eu gostei. Mas eu gostei ainda mais do quadro de instrumentos, porque você pode transformá-lo no que quiser. Velocímetro e conta-giros. Ou mapa do GPS, ou painel do rádio. Ele faz um iPad parecer uma máquina de escrever vitoriana.
Como todas as informações são apresentadas bem na sua frente, o espaço no restante do painel é liberado para botões grandes, mostradores claros e mais alguns toques de estilo graciosos. Isso até chegarmos às chaves de seta. Normalmente, a chave de seta é um tipo de alavanca cilíndrica. Mas, com as tentativas da Audi de se livrar de todas as curvas, ela agora tem cantos pronunciados, de forma que, quando você quer mostrar que vai virar à esquerda ou à direita, é como se sinalizasse suas intenções usando uma faca de caça bem-trabalhada.
Neste ponto, adoraria dizer que o TT não é muito divertido de dirigir e que se comporta como qualquer outro Audi, ou seja, não muito bem. Mas não posso, porque ele é sublime. Vou começar com os freios, que redefinem completamente o conceito de o quanto esses componentes podem ser bons. Eles não o fazem parar mais rapidamente do que os que equipam outros carros, mas a sensação transmitida pelo pedal é extraordinária. É como se cada equação sobre desaceleração, trajetória e distância fosse alimentada em sua mente sempre que você quer reduzir a velocidade. Francamente, os freios de TT fazem os dos outros carros parecerem âncoras feitas de bolo com recheio de ferro.
E há um salto à frente também com o botão que muda o comportamento do carro. Muitos carros têm esse tipo de recurso nos dias de hoje, mas na maioria deles ele é inútil. Em alguns, o botão não faz qualquer diferença. Em outros, ele apenas torna o veículo extremamente desconfortável. Mas no TT é uma ferramenta que você vai querer usar muito.
Em uma via expressa, você coloca no modo Comfort e o carro fica exatamente assim: confortável. Na cidade, você usa a posição Efficiency e o carro consume combustível como um lorde bebericando chá enquanto joga dominó. Já numa autoestrada você usa o modo Dynamic e o escapamento começa a fazer sons de espocar durante trocas de marcha. E, quanto mais rápido você anda, ainda mais rápido ele quer andar, porque tudo parece perfeito.
A direção, a tomada de curva, a suspensão, a aceleração e os freios – ah, esses freios… –, tudo o incentiva a dar uma de Sebastian Vettel. E o TT é tão bom que você acha que conseguiu. É fabuloso. E este ainda é um carro com dois bancos traseiros que qualquer pessoa normal pode usar (desde que não tenha pernas ou cabeça) e um porta-malas que realmente tem utilidade. Ele é prático, econômico e seguro, silencioso e sereno, e é um Audi, o que quer dizer que é um Volkswagen, o que significa que tudo está montado corretamente.
Resumindo, este é o melhor automóvel da Audi em décadas. Mas eu não poderia comprar um porque… bem, vamos colocar da seguinte maneira. Imagine que a Victoria’s Secret está lançando um novo modelo de calcinha e vendendo-a como uma cueca masculina. Pode até ser uma roupa íntima prática e feita com um tecido que desperta sua testosterona interior, mas você não vai sair por aí falando para as pessoas que está usando cuecas de uma marca de lingerie.
E existe outro problema. Ao encher o novo modelo com cantos vivos e com o tipo de tecnologia que você normalmente encontraria em um destróier tipo stealth, a Audi corre o risco de fazer com que as aeromoças da nação achem que esse carro se tornou um pouquinho supérfluo. Um pouquinho tropa de combate. E isso é um problema. O novo TT é uma metralhadora em trajes formais. Um carro com um distintivo atraente às tripulações de voo da British Airways e um comportamento dinâmico que fará bonito nos fóruns automotivos da web. O que significa que a Audi acabou fazendo um carro brilhante… que ninguém na Inglaterra vai comprar.