Porsche Cayman GT4
Aceleramos o irmão mais novo do 911, que passou uma temporada no departamento de competições da marca e voltou pronto para entrar nas pistas com desempenho e dirigibilidade exemplares
A Porsche diz que 80% dos donos dos esportivos da marca, nas versões GT (desenvolvidas pela divisão de competições da empresa), levam seus carros para as pistas de corrida. Com o Cayman GT4, o mais novo modelo da série, não será diferente. Pelo contrário, o percentual de motoristas-pilotos deve aumentar. E essa previsão não é da fábrica. É nossa, depois de avaliar o modelo no lançamento em março, em Portugal.
Fácil de dirigir e equilibrado, o GT4 tem a virtude de transmitir confiança ao motorista já nos primeiros
quilômetros, como se ambos fossem velhos conhecidos. Em outras palavras, o GT4, que chega ao Brasil em abril por R$ 569 000, convida, empolga e encoraja a acelerar.
Já no visual, o GT4 deixa clara sua vocação. Ele tem grandes tomadas de ar, na dianteira e nas laterais, um enorme aerofólio atrás e imponentes rodas de 20 polegadas. Por dentro, a única diferença estética entre ele e outras versões do Cayman está em uma alça de tecido para abertura interna da porta, um falso despojamento, em alusão a antigos carros Gran Turismo. Os bancos de competição nas fotos são opcionais. Eles vêm em um pacote que inclui santantônio e extintor de incêndio.
A avaliação passou por ruas e estradas na região de Portimão e terminou no autódromo do Algarve. Na
primeira parte, o GT4 revelou-se ágil e seguro, com acelerações poderosas e frenagens eficientes. Gostei da direção pequena (36 cm de diâmetro, menor que do Peugeot 208, com 37), leve e precisa. O câmbio apresentou engates curtos, mas a embreagem pareceu um pouco pesada, ainda mais em contraste com a direção. Logo me acostumei ao esforço, compensado pelo prazer das trocas manuais
e pelo ronco do motor.
Outro motivo de satisfação é a obediência do Porsche GT4. Sua dirigibilidade é irrepreensível. Andar
rápido em ruas e estradas, onde a velocidade é limitada por leis, trânsito e falta de espaço, é moleza. Qualquer esportivo se dá bem nessas condições. Foi no autódromo que o esportivo alemão fez a diferença.
O test-drive no circuito durou dez voltas, no percurso de 4 692 metros de extensão. Entravam cinco veículos por vez na pista, sendo um deles o carro-madrinha pilotado por um instrutor da Porsche, que ditava o ritmo. A primeira volta, de reconhecimento, foi lenta. Na sequência, os convidados tiveram que pisar fundo para acompanhar o líder. Não era permitido ultrapassar, mas ao fim de cada volta a posição dos outros carros na fila era alterada de modo que todos pudessem seguir o instrutor de perto.
Saindo na terceira posição, tentei acompanhar o grupo, enquanto me entendia com o carro e com o traçado da pista. Na minha vez de seguir o instrutor, achava que já sabia como usar o câmbio e onde frear antes das curvas. Mas constatei que o piloto da fábrica esticava bem mais as marchas e freava bem menos do que eu. Passei, então, a seguir seu exemplo.
O mais difícil foi resistir à vontade de frear em determinados pontos, onde eu pensava ser necessário e em que o instrutor passava sem sequer reduzir velocidade. Ao contrário, com as luzes de freio apagadas, ele me obrigava a acelerar ainda mais, para não ficar para trás. O GT4 se comportava de modo exemplar. Sempre equilibrado, progressivo e sob controle. E eu acompanhava o carro-madrinha sem sustos.
OBEDIÊNCIA ESTIMULANTE
Saber que eu podia ultrapassar os limites – sem a sensação de que mais cedo ou mais tarde acabaria cometendo algum erro – foi uma experiência estimulante e ao mesmo tempo intrigante. Voltei para os boxes e fui direto conversar com os engenheiros da Porsche, para saber o que fizeram para que o GT4 tivesse esse comportamento tão obediente.
Começando pela aerodinâmica, o GT4 é o primeiro Cayman a ter efeito solo. Em relação às outras versões, sua carroceria foi alongada (3,4 cm) e rebaixada (1,8 cm) e ganhou spoiler (na dianteira) e aerofólio (na traseira). Essas mudanças não melhoraram seu coeficiente aerodinâmico – influenciado por outras variáveis, o Cx subiu de 0,30 para 0,32. Mas passaram a gerar até 100 kg de pressão descendente (downforce), o que contribuiu significativamente para o carro grudar no asfalto em altas velocidades. Os pneus são largos: na frente, a medida é 245/35 R20; atrás, 295/30 R20. E todos os dispositivos de controle do chassi foram ajustados ou modificados para favorecer um modo de direção de alto desempenho. Na parte eletrônica, os sistemas de suspensão ativa, de controle de torque e de estabilidade foram recalibrados. Na construção, ele herdou do irmão maior, o Porsche 911 GT3, partes dos eixos, incluindo as rodas, os braços transversais (mais longos) e os apoios com articulações esféricas, que permitem movimentos mais livres e favorecem a trajetória das rodas. Na altura, o conjunto ficou 3 cm mais baixo, sem concessões. Perguntei se a Porsche teria uma configuração diferente para países com ruas irregulares, como o Brasil, e o gerente de projeto, Jörg Jünger, disse que não. “Entendo, mas o carro foi projetado para ter essas características.”
0 A 100 KM/H EM 4,4 S!
O GT3 cedeu ainda os discos de freio, maiores e de material composto mais leve. E o motor boxer 3.8 de seis cilindros veio do Carrera S (com 385 cv e instalado na posição central, no caso do Cayman, o que é garantia de maior equilíbrio dinâmico). O câmbio é manual de seis marchas. Mas e o automatizado PDK, que tem fama de ser mais rápido do que qualquer piloto no comando de uma transmissão? “O objetivo foi ter maior integração entre carro e motorista”, disse Jünger para justificar a ausência. Ele lembrou também que a caixa manual é 25 kg mais leve que a PDK e, na relação peso/benefício, ela leva vantagem. “Quando lançamos o GT3 com o sistema PDK, houve quem reclamasse, dizendo que o câmbio de um verdadeiro carro de pista deveria ser manual.”
A transmissão do GT4 é manual, mas está longe de ser básica. Monitorada eletronicamente, ela possui opção do ajuste automático da velocidade do motor, para facilitar os engates. Nas reduções, o sistema eleva o giro do motor, realizando para o motorista a manobra conhecida pelos pilotos como punta-tacco – que consiste em frear com a ponta do pé ao mesmo tempo que se acelera com o calcanhar. Para usar esse recurso, o motorista deve acionar uma tecla no console. Outro detalhe interessante: coxins ativos sustentam a caixa de marchas, limitando seus movimentos nas altas velocidades, de modo a evitar que suas oscilações interfiram no equilíbrio direcional do carro.
Segundo a fábrica, o GT4 acelera de 0 a 100 km/h em 4,4 segundos e chega aos 295 km/h de velocidade. No circuito de Nordschleife de Nürburgring, Alemanha, ele concluiu a volta em 7 minutos e 40 segundos, marca que o coloca como o mais rápido de sua categoria, ao lado de esportivos de calibres superiores como Mercedes SLS AMG (2010), 911 GT3 (2009) e Lamborghini Murciélago (2007), que concluíram o trecho no mesmo tempo. Esse resultado foi conseguido com um piloto da fábrica ao volante. Mas, depois do test-drive no Algarve, fiquei até achando que eu também poderia chegar lá.
VEREDICTO
O Cayman não tem tanto carisma quanto o lendário 911, mas nesta versão preparada para as pistas ele é capaz de agradar o mais exigente dos motoristas com habilidades de piloto.