A Ferrari 458 Spider é o mais amigável e moderno de todos os supercarros. Mas ainda tem falhas que não seriam aceitáveis num Nissan.
Quando você compra um Nissan March, VW Golf ou Ford Focus, espera que o carro esteja perfeito, sem um único defeito. As grandes montadoras sabem disso. E é por isso que, antes de um carro começar a ser vendido, ele é rigorosamente testado, para garantir que o motor dê partida mesmo quando estiver congelando lá fora e que o ar-condicionado dê conta do recado até nos dias de verão com um sol de rachar. Mas no mundo dos supercarros as coisas costumavam ser um pouco diferentes. A Lamborghini colocou o Miura à venda sabendo que, se passasse dos 130 km/h, o carro decolaria. Depois eles lançaram o Countach, um carro com uma cabine tão pequena que ele só podia ser pilotado por uma formiga ou um recém-nascido. Nenhum dos quais teria a força necessária para mover a alavanca de câmbio, que parecia encravada em rocha.
À medida que o tempo passou, os fabricantes de supercarros começaram a levar mais a sério coisas como durabilidade e conveniência. Porém, mesmo nos anos 90, tais quesitos pareciam não ser levados em conta. Tive uma Ferrari 355 GTS com cintos de segurança que faziam o som de cordas de um violão sendo dedilhadas quando você baixava a capota, um motor que precisava ser tirado do carro para qualquer revisão e um acelerador de dois estágios, com apenas duas velocidades: 3 ou 280 km/h.
O problema é o seguinte: se você é um fabricante de carros de pequeno volume, não tem dinheiro para projetar um elemento e, caso ele não funcione, reprojetá-lo. Então, você torce para que os clientes fiquem tão enfeitiçados com a velocidade e a beleza que não notem que a porta não fecha direito.
Felizmente, hoje a maioria dos fabricantes de supercarros foi adquirida por grandes empresas automobilísticas, o que significa que eles têm dinheiro para resolver pequenos defeitos antes que as supermáquinas sejam colocadas no mercado. Bem, é o que seria de supor. Mas depois de alguns dias com a nova Ferrari 458 Spider você percebe que, no fundo, as coisas não mudaram.
Se os limpadores de para-brisa forem ligados em velocidade alta, eles ficam tão histéricos que batem na moldura do vidro a cada varredura. O rádio é incapaz de encontrar um sinal para sintonizar. Quando não há passageiro, a fivela do cinto de segurança fica batendo no encosto e, para abastecer, você precisa segurar o bico da bomba de ponta-cabeça, senão nenhum combustível entrará no tanque. E tem mais. Como não há alavancas para os limpadores de para-brisa ou setas, todos os controles principais – e o botão de partida, a buzina, o controle de tração de seis posições, o controle da suspensão e os controles do rádio – ficam no volante. A Ferrari lhe diz que você se acostuma depois de um tempo, e eu não duvido disso. Da mesma forma que você pode se acostumar a ter artrite.
Uma coisa é certa: a 458 Spider é o mais amigável e moderno de todos os supercarros. Mas ela ainda é assolada por falhas que não seriam aceitáveis num hatch da Nissan. E ela não é barata. A básica custa 198 936 libras (630 000 reais). Mas, se quiser o volante costurado com as cores da bandeira italiana, são 720 libras (2 300 reais) a mais. Quer rodas pintadas de dourado? Custam 1238 libras (3 900 reais). Parafusos das rodas de titânio saem por 1 919 libras extras (6 100 reais). Pinças de freio vermelhas? São 880 libras (2 800 reais). O resultado é que o carro que testei custa, na prática, 262 266 libras (830 700 reais). Mas vale até o último centavo. Porque ela é sublime.
Neste ponto, alguns poderiam me acusar de incoerência, pois eu já disse que o novo Porsche 911 Carrera S Cabriolet não funciona como conversível, já que os reforços estruturais estragam aquilo que tinha sido projetado para ser um esportivo puro. Tirar o teto de um carro como esse seria como colo car molho de carne em ovo de codorna. Pode intensificar o gosto, mas perde a sutileza – e no 911 sutileza é tudo. Mas com uma Ferrari as coisas são diferentes. A 458 não é um esportivo puro. Sem dúvida ela se comporta como um na estrada, mas também é uma cantora, uma modelo e uma atleta. É uma heptatleta com os pulmões de um Pavarotti e o rosto de um anjo. Por isso não é nenhum pecado comprar a versão conversível: dirigir este carro com a capota baixada agrega à teatralidade, à experiência. E daí que você está indo 0,1 km/h mais lento? Você está pegando um bronzeado.
Existe algum ponto negativo no novo conversível? Bem… sim. Se você baixar a capota no semáforo, todo mundo em um raio de 150 metros vai te achar um metido. Além disso, em condições extremas, ela será menos gratificante que a versão de teto fixo, e o para-brisa agora é curvo e ficou meio estranho. Mas o que o Senhor tira na dianteira, o Senhor devolve na traseira. Olhando de trás, é um dos carros mais bonitos que já vi. Além disso, ela é também muito confortável.
Enquanto escrevo este artigo, sinto calafrios – e não estou brincando – subindo e descendo minha espinha ao me lembrar da sensação que ela passa nas estradas perto da minha casa. A leveza. A selvageria. O barulho. A beleza. Então você tem a caixa de câmbio que reduz não em alguns milissegundos, mas instantaneamente. Bang! Pise nos freios: bang! De novo. E de novo. Faça uma curva. E aceleeeeeeeere! Ferrari é uma experiência diferente de qualquer outro carro na estrada. E esta? Bem, esta é a melhor de todas. Eu me cansei de supercarros há anos. Depois de ter um Ford GT, jurei que jamais compraria outro. E mantenho o juramento. Mas, se tivesse de quebrá- lo, seria pela 458. Como carro, recebe duas estrelas, por ser exagerada e cara demais. Mas, como uma celebração da capacidade do homem de ser feliz, é sete estrelas, única em uma categoria própria.