Dezembro de 1970. O novo o setor de pintura na fábrica da Volkswagen na Via Anchieta, em São Bernardo do Campo, estava pronto havia menos de um mês.
Era a primeira linha de pintura em em eletroforese, que diminuía drasticamente problemas com ferrugem e pintura não uniforme, da América Latina.
Mas parte do moderno sistema de pintura, que levou cinco anos para ser instalado, logo seria destruído.
Era manhã do dia 18 – cinco dias antes das férias coletivas de Natal – quando um incêndio teve início na Ala 13. O enorme prédio de três pavimentos abrigava parte pintura e os estoques de solventes, materiais de tapeçaria e de pneus.
Alimentado por químicos, espumas e mais de 30.000 pneus, o fogo se alastrou, fugiu do controle e destruiu toda a ala, que às 13h daquele dia já havia desmoronado.
Além da brigada da Volkswagen, bombeiros das fabricantes vizinhas ajudaram a combater o incêndio. Eles só conseguiram debelar as chamas às 20 horas.
Ambulâncias particulares de Ford, Chrysler e General Motors foram emprestadas, mas a VW ainda retirou as Kombi Ambulância prontas no pátio para socorrer os funcionários que ficaram feridos.
No dia seguinte, o Correio da Manhã contava que as labaredas alcançaram a Ala 4, que abrigava produção final dos automóveis. Os trilhos aéreos usados no transporte de veículos teriam ficado totalmente destruídos.
Já a Folha de São Paulo dizia que um terço da linha de produção da fábrica havia sido destruído, o que levou a Volkswagen a interromper suas operações.
Rumores apontavam para 200 mortos no incêndio, mas oficialmente apenas uma pessoa, bombeiro da Karmann-Ghia, morreu.
Presidente da VW Brasil àquela altura, Rudolf Leiding precisou montar uma estratégia para retomar a produção, que chegava a 1.200 carros/dia.
Àquela altura, a Volkswagen representava metade do mercado de automóveis do país e sua paralisação impactaria o PIB brasileiro.
Junto ao presidente mundial da VW, Kurt Lotz, Leiding conseguiu que um novo maquinário de pintura eletroforética que seria destinado à fábrica de Wolfsburg fosse enviado para o Brasil. Mas isso não bastaria.
As férias coletivas foram antecipadas para acelerar a recuperação de parte da fábrica e buscar formas de continuar pintando as carrocerias mesmo com parte da fábrica em escombros.
Parte da solução foi religar a antiga linha de pintura e utilizar as instalações abandonadas da Vemag.
Mesmo assim, seria impossível alcançar a produção de 500 carros/dia já a partir do fim das férias, programado para 14 de janeiro, como projetado no plano de recuperação.
O jeito foi recorrer às fabricantes vizinhas com capacidade de pintura ociosa. Assim, Karmann-Guia, Chrysler, Brasinca e Toyota passaram a pintar as carrocerias de uma parte dos Volkswagen produzidos em 1971.
A transportadora Brazul, que transportava os VW prontos, agora também faria o traslados das carrocerias entre as fábricas.
O esforço deu certo. Em janeiro a Volkswagen já conseguia montar quase 800 carros por dia na seguinte proporção: 220 Fusca (com prioridade para o 1500), 234 Variant, 234 TL 1600, 70 Kombi, 3 Karmann-Ghia TC e 22 Karmann-Ghia Standard.
Em setembro voltava à capacidade de 1.200 carros/dia e a marca terminou o ano com 300.000 carros produzidos, crescimento de 27% frente a 1970.
O ano também terminou bem para a Toyota. Aplicar o primer em 20 carrocerias de Fusca por dia tornou a operação brasileira bastante rentável. Mais que isso: deu sobrevida à fábrica, que estava na iminência de fechar.
O início das operações da Toyota no Brasil foi bastante conturbado. A montagem do Land Cruiser em um galpão no Ipiranga comprado da Rover durou menos de um ano.
Oitocentos carros foram montados com peças trazidas do Japão entre 1959 e o início de 1960, quando o Governo Federal a obrigou a interromper a produção por não cumprir os requisitos de nacionalização.
O terreno da fábrica de São Bernardo foi comprado em 1960 e a fábrica ficou pronta em 1962.
Embora a capacidade fosse para fazer 300 Bandeirante por mês, apenas 627 seriam montados naquele ano, chegando ao pico de 2.200 carros em 1964. Mas a média dos anos seguintes seria de desanimadores 700 carros/ano.
Prestar o serviço de pintura para a Volkswagen pode ter evitado que a Toyota encerrasse a produção do Bandeirante no Brasil. Contudo, não evitou que a japonesa desistisse de fabricar automóveis no Brasil.
Ela chegou a estudar a nacionalização do Corolla e do Corona no final da década de 60, e trouxe alguns modelos para testes na década de 1970. Mas depois anunciaria investimentos no Japão.
O Bandeirante seria o único Toyota nacional pelos 27 anos seguintes. O jipe usava motores diesel Mercedes desde 1962 e passou por pouquíssimas mudanças entre 1968 e 1982, quando ganharia nova grade.
Foi justamente em 1982 que a Toyota voltou a falar em carros de passeio, motivada pela Crise do Petróleo e prometendo carros capazes de fazer 20 km/l.
Mas a Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI) se negou a dar incentivos fiscais, exigiu metas e prazos predefinidos, e a localização da fábrica seria definida pela União. Desta vez a Toyota preferiu investir no Japão e nos EUA.
Os carro de passeio da Toyota só começariam a chegar ao Brasil em 1992, com a abertura das importações. A produção de automóveis só começou em 1998 com o Corolla, na nova fábrica de Indaiatuba (SP).
Por sinal, o terreno da fábrica foi comprado em 1989 e a construção da planta só foi anunciada no final de 1995, após a Honda anunciar sua fábrica no Brasil.
O Toyota Bandeirante chegou ao fim em novembro de 2001, com 104.621 unidades produzidas. E o Grupo Volkswagen alterna com a Toyota a liderança do mercado mundial de automóveis há anos.