A explosão que ocorre dentro da câmara empurra o pistão pelo cilindro e a biela transforma, em conjunto com a árvore de manivelas, o movimento retilíneo em giratório. Esse movimento, praticamente uma pedalada, é repassado ao câmbio pela fricção, ou embreagem, e é amplificado ou desmultiplicado de acordo com a relação de engrenagens utilizada no momento. Fazer essa força chegar até a roda para que a moto se mova é a tarefa da chamada transmissão final.
Quem tem moto com eixo cardã posa de bacana e sustenta que não há sistema melhor. Quem usa corrente, geralmente é capaz de trocá-la sozinho e gastar um tostão ao fazê-lo. Por outro lado, o número de motos com correia na transmissão final só aumenta.
O sistema de aplicação mais comum e barata é o clássico conjunto pinhão, corrente e coroa, oriundo da bicicleta, que é o arquétipo de toda motocicleta. O pinhão (uma engrenagem denteada) recebe a força do eixo da transmissão secundária e a transmite, através de uma corrente metálica, a uma outra engrenagem denteada, a coroa, fixada ao eixo da roda traseira. As modernas correias dentadas usam sistema de igual concepção, com polias dentadas no lugar de pinhão e coroa.
O cardã, semelhante ao utilizado nos automóveis modernos (os primeiros carros também chegaram a usar correntes), é um eixo rígido com engrenagens tipo satélite ou cruzetas nas pontas, que realiza as operações de inverter o movimento de transversal, do eixo secundário, para longitudinal ao longo da balança (geralmente é envolto por ela) e outra vez para transversal no eixo da roda. Exige maior esforço do motor e é o que mais perdas de potência acarreta.
Correntes, correias e eixos cardã não são nenhuma novidade tecnológica. Ao contrário, são todos aplicados em motocicletas desde os primórdios dessa indústria. Mas a tecnologia avança e só há algumas décadas as correias, por exemplo, tornaram-se capazes de aguentar o tranco, literalmente, dos motores mais potentes.
NOVOS MATERIAIS As motos de “museu”, do início do século 20, têm correias de couro, inviáveis para motores atuais. Ligas de borracha com fibras de vidro, de carbono e materiais compostos, como o kevlar, permitem correias de resistência e durabilidade alongadas. De qualquer modo, se você tem uma estradeira com correia (e também com corrente), talvez seja prudente levar uma de reserva. A troca da correia é recomendada em geral após 40000 ou 50000 km.
Quando se trata de aplicação nas pistas, não há motos de corrida com cardã ou com correia. O eixo cardã é a opção que mais rouba potência do motor, pois é mais pesado e tem maior inércia. Sua adoção é quase padrão nas grandes touring, de potentes motores, como a Honda Gold Wing e as BMW estradeiras, em que o torque abundante compensa essas características – e a robustez e baixa manutenção justificam o maior custo.
A correia, por outro lado, apesar de mais leve e de empregar compostos de elevada tecnologia, não suporta rotações muito elevadas, perde eficiência com o aquecimento extremo e pode se romper bem mais facilmente que a corrente, em altos giros. A diferença é que, quando se rompe, não faz o mesmo estrago que uma corrente que, se estiver em alta rotação, pode destruir a carcaça do motor.
Não se esqueça de que grande parte dos motores de alto desempenho tem o comando de válvulas (de alta rotação) acionado por correias de fibra, ligas metálicas e materiais compostos sofisticados, os mesmos empregados nas cintas de transmissão final.
Para esportivas de alto desempenho, caso das motos de corrida, entretanto, ainda há relutância em exibir a correia de borracha girando. Sua aplicação mais frequente é nas custom de baixa rotação, como as Harley-Davidson e outras, como a finada Suzuki Savage 650. Nos scooters, estão se tornando padrão. Algumas superesportivas, como a Buell 1125R, também descontinuada com o fim da produção seriada dessa marca norte-americana, arriscaram-se nas pistas com as correias.
As correias são mais leves e reduzem a massa não suspensa das motos, a exemplo das rodas de liga – nesse sentido, têm importante função na distribuição de massas.
O engenheiro Erik Buell, projetista das esportivas que levam seu nome, agora voltado outra vez apenas para competições, em pequena escala, tem fixação por reduzir as massas não suspensas.
As correias também são os mais silenciosos sistemas de transmissão final, não enferrujam nem requerem lubrificação e não sujam balanças, rodas ou calças com respingos de óleo.
Quanto ao eixo cardã, nem se fala: sua maior característica é a robustez. No entanto, um simples pneu furado pode pôr tudo a perder. Se a montagem for feita em uma simples borracharia de beira de estrada, o componente pode ficar destroçado. “Já vi casos em que o cardã ficou moído por ter sido montado inadequadamente”, afirma Alfredo Guedes, engenheiro mecânico da Honda. Segundo ele, é por essas e outras que parte das motos que usa esse sistema de transmissão tem balança traseira monobraço, que facilita a retirada do pneu. Segundo o engenheiro, é preciso cuidado especial nas motos com cardã e pneus com câmara. Afinal, não dá para rodar muito com uma câmara murcha…
A balança monobraço serve também para atenuar o efeito giroscópico do eixo cardã, que pode fazer a traseira da moto pendular, especialmente nas arrancadas a partir da imobilidade. O balanceamento por peso em um só lado do eixo traseiro ajuda a reduzir essa sensação de instabilidade – que não chega a comprometer nem a dirigibilidade nem a segurança.
Nenhuma dessas soluções, entretanto, ameaça o reinado da corrente, uma daquelas soluções tecnológicas tão tradicionalistas que ninguém parece disposto a discutir. Nas pistas de qualquer modalidade os elos imperam, absolutos, agora também repletos de novas tecnologias. Afinal, nenhum outro sistema permite variar com tanta facilidade a relação de transmissão, alongando ou encurtando as proporções de redução.
Como você sabe, uma corrente é composta por elos, tubos, pinos, anéis de vedação. Algumas têm lubrificação interna e anéis de polímero para impedir que elementos externos aumentem o atrito, caso de poeira e água, mantendo o interior dos segmentos sempre lubrificado e isento de corrosão.
Uma corrente moderna não tem emendas nem anéis removíveis que permitem alteração de relação. É um conjunto único. Mas mesmo essas precisam de lubrificação e ajustes de tensionamento periodicamente.
Fora das pistas e das superesportivas (ok, com exceção das Buell), a corrente é o padrão nas motos de baixo custo – de longe, é o sistema de transmissão final mais barato. Também é o que dura menos: coroa e pinhão se desgastam e a corrente, depois de seguidos ajustes, deve ser trocada.
CORRENTE
PRÓS: Simplicidade mecânica; troca fácil e barata; permite alterar a relação
CONTRAS: Maior ruído e sujeira; requer ajustes e lubrificação; tem a menor vida útil
CORREIA
PRÓS: Elevada durabilidade; mais limpa, leve e silenciosa; requer pouca manutenção
CONTRAS: Mais cara que a corrente; não suporta rotações superelevadas; maior risco de rompimento
CARDÃ
PRÓS: Robustez e longa vida útil; menos ruído e manutenção; maior eficiência na transmissão de torque
CONTRAS: Eventual efeito giroscópico; mais pesado e caro; troca de pneu exige cuidado técnico