A Harley-Davidson tem apelo extra e muito poderoso aos motociclistas: é aquilo que os publicitários chamam de story telling. Quem tem uma Harley tem sempre um monte de histórias para contar sobre a marca e o modelo – isso, acredite, é um belo valor agregado.
Segundo a prestigiosa consultoria Interbrand, responsável pela pesquisa que aponta as marcas globais mais valiosas do mundo, a Harley-Davidson é a 100a marca mundial em valor (a Ferrari é a 99a) e a primeira entre empresas dedicadas exclusivamente à produção de motocicletas.
A imagem de prestígio foi construída depois da vitória aliada na Segunda Guerra Mundial – o primeiro veículo a entrar na Alemanha derrotada foi uma motocicleta da marca. A Harley é intrinsecamente ligada à poderosa cultura pop americana desde então, compondo parte de todos os fenômenos sociais que marcaram o século passado nos Estados Unidos, dos movimentos hippie e pacifista à rebeldia lisérgica, ao rock and roll e à onda on the road. A empresa soube administrar magistralmente essa presença para construir signos ligados ao imaginário norte-americano, resgatando a figura do herói empoeirado conquistador do Oeste, do lobo solitário pouco afeito a convenções sociais etc.
É complexo o mecanismo que leva uma marca a despertar e alimentar as fantasias e o imaginário coletivo de um povo, mas não há dúvida de que a Harley-Davidson consegue isso nos Estados Unidos – e, por tabela, também no Brasil. Segundo João Carlos Taddeo, executivo que chefiou os Harley Owners Groups no Brasil por cerca de dez anos, essa mística não se explica por palavras: “É algo que se sente…”
Também já começa a chegar ao país a figura – típica das estradas norte- americanas – do pacato pai de família que se transfigura em um estereótipo de motociclista selvagem aos fins de semana, com franjas de espesso couro preto, botas e lenço no pescoço.
“Minha paixão por Harley-Davidson tem muito a ver com a admiração por motos do estilo chopper, que sempre me atraíram pela relação notável entre conforto e visual nas pessoas que eu via pilotando Harleys pela cidade. Aquela coisa de fins de semana de sol, o sujeito sair para curtir a cidade ou um passeio pelas estradas, de jeans e camiseta, usando capacete aberto, óculos de sol, totalmente casual e bem diferente dos caras que se vestem de piloto, com macacão e tudo, para andar com motos de corrida pela cidade”, afirma o professor de educação física Rodrigo Silva, treinador de tênis, que ainda não é motociclista, mas já é apaixonado pela marca.
José Maurício Oliveira, empresário de São Paulo, tem uma Fat Boy inteira preto fosco. Antes dela, Oliveira não chegou a consolidar uma vasta experiência como motociclista. Sua primeira moto, de pequena cilindrada, rodava apenas em esparsos e raros fins de semana. “Além do prazer de andar de moto, a marca incentiva um lado social muito forte. Os passeios em casais são frequentes. E, nesse clima, a Darlene [esposa de Oliveira] participa sem se sentir deslocada”, conta o empresário.
A força dos meios de comunicação também ajuda. “O modelo Fat Boy Special preto foi escolhido por toda a família, e confesso que o filme O Exterminador do Futuro teve seu apelo”, diz Oliveira. “Também não dá para negar que o seriado American Chopper, com suas Harley incríveis, potencializou minha paixão pela marca”, afirma por sua vez Rodrigo Silva.
“Não sei descrever direito o que sinto quando estou em cima da moto. O ronco é fenomenal. O vento no rosto, a sensação de liberdade, é tudo indescritível! A sensação de virilidade aumenta em cima de uma H-D, sinto-me mais ‘macho’.” É com essa sinceridade objetiva que Marcos Calmon de Passos, empresário de Belo Horizonte, explica os motivos que o levam a preferir a marca. Ele tem uma Road King Classic desde 2007, que utilizou em seu próprio casamento como veículo para levar e trazer os noivos da cerimônia. O casamento não resistiu, mas ele segue fiel ao modelo.
Assim, é natural que parte importante do faturamento da empresa venha de produtos de uso pessoal com a marca da barra alada, que superam em muito os tradicionais equipamentos de proteção pessoal do motociclista e chegam a roupas, bolsas e acessórios femininos e masculinos, exatamente como uma grife de moda, inclusive com coleções renovadas pelos estilistas dedicados a cada nova estação.
A Harley-Davidson não oferece apenas motos custom, embora sua imagem no Brasil esteja indelevelmente ligada ao estilo – nos Estados Unidos ainda há dezenas de modalidades esportivas praticadas com modelos Harley, principalmente as do gênero flat track, de pistas planas e ovais de asfalto, terra, grama e gelo.
Mesmo no Brasil, há uma versão flat track à venda: é a XL 1200X, que não tem nada de custom, mas sim uma pegada radical, permitindo tocadas bem esportivas. Também as grandes cruiser da marca não são custom, mas touring, estradeiras de longo curso, caso das Ultra testadas nesta edição. As Sportster também têm vocação urbana.
A gama de produtos oferece um cardápio mais que variado. Baseia-se em motores V2 de diferentes cilindradas, de 900 a 1800 cc, e cinco diferentes arquiteturas de chassi (Sportster, Dyna, Softail, V-Rod e Touring), cada uma com uma proposta diferente e preços que vão de 29 000 reais (a 883R Sportster) a mais de 100 000 reais (a CVO). Isso permite que o apaixonado pela Harley-Davidson escale possibilidades dentro da própria marca.
As vendas da marca norte-americana não param de crescer por aqui. Já somos o oitavo mercado da Harley-Davidson em todo o mundo, com uma frota de modelos da marca de cerca de 30000 unidades. Até maio deste ano, segundo os números de vendas no atacado (da fábrica para sua rede de revendas) da Abraciclo, entidade que reúne as montadoras instaladas no Brasil (exceto a Suzuki), foram faturadas 2694 motos. O número representa um avanço impressionante sobre 2011. São exatos 56%. No ano passado, até o mês de maio, haviam sido comercializadas apenas 1 132 unidades da marca. Naquele ano não houve motos entregues em fevereiro, por razões internas da gestão da empresa.
Mas, mesmo diante dos números de 2010, o crescimento é notável, de 47,2% – sempre considerados os números proporcionais até maio.
Crescimento acelerado
Em relação ao mercado total, a marca ocupou magros 0,2% em 2010 (emplacou 3 357 motos) e 2011 (5 011 unidades). No entanto, deve mais que dobrar essa participação este ano, ocupando mais de 0,5%, se mantiver o bom ritmo de vendas do primeiro semestre. Considerando exclusivamente as motos de 600 cc, a Harley-Davidson detém 6,8% do mercado (em 2011), ocupando o sexto lugar em emplacamentos.
Para 2012 a empresa espera ter mais de 12% desse segmento, consolidando-se em quarto lugar. Para isso, promete abrir mais sete concessionárias até o fim do ano, atingindo 18 revendas – o projeto anunciado é chegar a 50 lojas da marca até 2015.
Era uma vez
Demorou, mas a H-D se acertou
A Harley-Davidson parece trilhar um caminho suave no Brasil depois de décadas de idas e vindas. A coisa começou com importações esporádicas que culminaram em uma montagem de modelos da marca em Manaus em meados dos anos 70, após a proibição das importações para o Brasil. A fugaz Motovi (Motocicletas e Veículos Industriais) montou na então Zona Franca as 125 cc de dois tempos da Aermacchi, italiana, e as FL Shovelhead 1 200 cc, para uso militar. Com a abertura das importações, em 1990, a H-D trocou representantes, como a Motorauto, de Belo Horizonte, e o Grupo Izzo, de São Paulo. No fim de 2010, a empresa assumiu o controle da marca no Brasil.