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Jeremy Clarkson: a contradição ambulante da Bentley

Antes carro de velhos, agora o Bentley Continental GT é comprado por crianças que cantam rap e falam palavrões. E mesmo assim não tem uma entrada USB

Por Jeremy Clarkson
8 dez 2016, 20h14
A versão W12 tem potência imensa e ronco assustador
A versão W12 tem potência imensa e ronco assustador (divulgação)

Um dia desses eu encontrei uma pessoa que usa um celular antigo da Nokia. “Eu posso fazer e receber chamadas”, disse ela, “e posso enviar mensagens de texto e a bateria dura vários dias. O que mais você poderia querer?” Nem me dei ao trabalho de responder.

Usar um celular que não é capaz de receber fotos, enviar e-mails ou armazenar música é como viver em uma caverna. Sim, é seco e quente e precisa de bem pouca manutenção, mas acho que você vai preferir morar em uma casa com aquecimento central e um fogão. Não discuta. Você simplesmente vai.

Sim, eu admito que às vezes a Apple me deixa louco. Não gosto do jeito como alugo um filme dela e ela não me deixa vê-lo a não ser que eu encontre um wi-fi e selecione uma nova senha – “Não, essa não é boa o suficiente”. “E essa também não” – e passe os dados do meu cartão de crédito e aceite seus termos e condições, que basicamente dizem que ela passa a ser dona da minha alma.

Também detesto a última versão do sistema de armazenamento de músicas, que não me deixa colocar em um modo aleatório e pular de Bee Gees para The Clash.

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Mas, apesar de tudo isso, prefiro perder um pulmão a ficar sem o meu iPhone. É mais fácil eu me lembrar de pegá-lo ao sair de casa de manhã do que de colocar minhas calças.

E todo dia alguém me mostra um novo recurso ou um novo app que torna minha vida mais surpreendente, fácil e agradável. Se eu não tivesse o Snapseed para ajustar minhas fotos, o Instagram para espiar as vidas perfeitas dos meus amigos ou um mapa para mostrar quanto tráfego há no anel perimetral de Oxford, eu teria de me suicidar.

E isso me leva diretamente ao Bentley Continental GT Speed levemente atualizado que estou dirigindo. Falo levemente porque seu design se mantém o mesmo há 15 anos. E ele ainda não tem uma porta USB. Meu VW Golf tem. Um Fiat 500 tem. Mas esse supercarro de gran turismo que custa 168.900 libras (R$ 710.000) não tem.

Sim, ele possui Bluetooth, o que a Bentley acha que dá conta do recado do mesmo jeito. Só que não (e, de qualquer maneira, ele não estava funcionando).

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Meu celular ficou lá dizendo que estava procurando por um dispositivo enquanto eu apontava para o painel e gritava: “Como você não consegue achar um Bentley, sua lata de lixo burra? Ele é enorme”.

E, ainda mais espantoso, enquanto procurava com os dedos a entrada em que poderia conectar meu cabo, abri o porta-luvas, encontrando lá um cabo flexível que não se conectaria com nada deste século e uma disqueteira para CDs. O que, em termos de tecnologia, é quase do tempo dos toca-discos.

Todos conhecemos o problema, é claro. Colocar uma porta USB no Continental exigiria redesenhar toda a central multimídia e o painel. Isso significaria fazer ajustes na linha de produção, e isso custaria mais de 100 bilhões de libras.

E você pode pensar: para quê? A Bentley tem praticamente o dever de equipar seus carros com um gramofone e um fogão a lenha em vez de um aquecedor, porque as pessoas que compram essas coisas são velhas e estão presas às suas tradições.

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No passado, o GT era ao mesmo tempo vulgar e insípido
No passado, o GT era ao mesmo tempo vulgar e insípido (divulgação)

Só que os compradores de carros da Bentley hoje têm, em média, em torno de 6 anos de idade. O Continental se tornou o carro preferido de todos os cantores de rap de sucesso.

Nos EUA, a Bentley se tornou um sinônimo tão grande da cultura rap que quando eu fui pegar um nova-iorquino no aeroporto num dia desses, ele entrou no Continental e disse: “Oooh. Um FDPB.” Em uma revista de família eu só posso dizer que o B é de Bentley. Você terá de descobrir o resto por si mesmo.

Mas agora esse é um carro de jovens. Um carro legal. Mas eu poderia dirigir um carro que não tem porta USB? Eu acho que a resposta é sim, da mesma forma que poderia escrever esta coluna em uma máquina de escrever e mandá-la pelo correio. Eu poderia. Mas não gostaria.

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O carro também tem outros problemas. Ele começou sua existência com uma carroceria que conseguia ser vulgar e insípida ao mesmo tempo. Mas uns anos atrás, algumas mudanças de estilo bem pequenas o tornaram muito atraente. E agora a empresa engatou a ré de novo, especialmente na traseira, com uma tampa de porta-malas que me traz à memória o velho Sunbeam Rapier.

O maior problema, no entanto, é o enorme motor W12 biturbo de 6 litros. Não tem nada de errado com a potência, que é imensa, ou com o torque, que é planetário, e tampouco com o barulho que ele faz, que é um ribombar abafado ligeiramente assustador, que se torna muito assustador quando você acelera.

Também não vou reclamar da velocidade incrível a que ele pode chegar, e nem fiquei muito perturbado com seu consumo de combustível. O que me incomodou foi que esse W12 não é tão bom quanto o V8 que a Bentley oferece como uma alternativa mais barata.

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Sim, você tem um pouquinho mais de potência e uma velocidade máxima ligeiramente maior, mas os pontos negativos são evidentes. Ele deixa o carro pesado. O que significa que você percebe, quando faz uma curva, que a suspensão e os pneus estão tendo de trabalhar mais do que o necessário. E o problema fica ainda mais claro quando você freia. Às vezes até parece que você está tentando conter um desmoronamento.

De fato, quanto menos você paga por um Continental GT, melhor o carro que leva para casa. O V8 S ainda passa a sensação que um Bentley deve – grandioso e opulento -, mas ele passa a imagem de pesado sem realmente sê-lo. O que significa que ele é mais gostoso de dirigir, mais ágil e mais econômico que o Speed.

Ele vem basicamente com o mesmo interior e o mesmo nível de equipamentos. O que significa que ele também não tem porta USB. Isso é uma coisa que a Bentley vai ter de resolver, não importa o custo.

Jeremy Clarkson – é jornalista, ex-apresentador do programa Top Gear e celebridade amada pelos fãs e odiada por algumas marcas.

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