Obviamente, alguém da Ford em Detroit ganhou um atlas de presente de Natal, porque após mais ou menos 50 anos fabricando o Mustang a empresa decidiu colocar o volante no lado certo e vendê-lo na até então desconhecida Grã-Bretanha.
Muitos deste lado do Atlântico já conheciam o Mustang há anos. Já vi muitos em filmes e, quando vamos à Califórnia nas férias, é o que alugamos para dirigir na Pacific Coast Highway.
No entanto, só porque algo funciona quando estamos de férias, isso não quer dizer que vá funcionar em uma deprimente manhã de segunda de novembro em Londres.
Eu sempre tive uma sensação de que o Mustang é meio como um capitão de barco pesqueiro grego. Na Grécia, depois de algumas centenas de copos de vinho, parece perfeitamente natural levá-lo para sua cama.
Mas você o levaria para casa e apresentaria à sua mãe? Então, essa é a pergunta que tenho de responder. O Mustang é uma proposta viável na Grã-Bretanha? Ou não passa de uma imagem provocativa para pôsteres da locadora Hertz?
Em primeiro lugar, precisamos fazer uma análise fria e objetiva do preço. E isso vai te surpreender, pois o Mustang GT V8 5.0 custa menos da metade do Jaguar F-Type, superficialmente semelhante.
E o mais incrível, esse ícone americano de 410 cv custa menos do que paguei por um VW Golf GTI. Não conheço qualquer outro carro que ofereça um custo-benefício tão bom.
E não é como se você recebesse apenas um motor potente e quatro assentos. Porque ele vem, como padrão, com diferencial de deslizamento limitado (é isso aí!), modo de condução selecionável, ar-condicionado de zona dupla, câmera de ré, rádio digital e assim por diante.
Confuso pelo preço e pela quantidade de equipamentos, entrei na cabine desconfiado, procurando onde a Ford cortou custos.
E não leva muito tempo para descobrir. A Lada descreveria os plásticos abaixo do volante e ao redor do porta-luvas como “meio baratos”. E suspeito que o couro dos assentos veio de uma vaca de poliuretano. Mas é só isso.
Levando tudo em consideração, diria que prefiro o visual do painel do Mustang àquela coisa meio lúgubre que a Jaguar coloca no F-Type. É mais empolgante. Deixe-me dar um exemplo.
No capô, há dois enormes vincos que refletem o sol diretamente nos olhos do motorista. Bem, os engenheiros da Ford devem ter notado isso quando testaram o carro sob o vasto e interminável céu azul do deserto do Arizona.
E eles devem ter dito depois: “Hank, não conseguimos enxergar para onde estamos indo por causa desses vincos”. Então eles fizeram uma reunião e alguém deve ter dito: “Entendemos seu ponto, Bud, mas esses vincos são bonitos, então eles ficam”.
Eu gosto dessa atitude. Estilo acima da praticidade. E você vê isso em todo lugar. Os símbolos de cavalo correndo que são projetados no chão por lâmpadas na parte de baixo dos retrovisores das portas.
É como se a Ford só empregasse designers com 10 anos – de idade. Que é o que deveria ser. Só fiquei espantado que ele não tenha lasers espaciais.
Agora é hora de ligar o V8, surpreendentemente silencioso, e ver como ele lida com as restrições de largura da vias britânicas. Aí há um problema.
Nos EUA, o Mustang é considerado um carro pequeno. Mas para o Reino Unido ele é enorme. E tem um diâmetro de giro do tamanho de Júpiter.
O que significa que uma manobra de três movimentos numa apertada rua inglesa se torna uma manobra de 72 movimentos, com muito xingamento.
Ele também passa a sensação de pesado. E após alguns metros você começa a entender por que um Jaguar é tão mais caro: porque ele é feito de materiais exóticos. O Mustang é feito de ferro e aço e, de vez em quando, madeira.
Ele é anunciado como um carro esportivo, mas é como chamar uma locomotiva a vapor de “trem esportivo”. Simplesmente não é.
Ele é pesado demais. Ele é um muscle car. E você sente isso depois de poucos metros. Essa é uma máquina que quer tirar fumaça dos seus pneus e fazer todas as curvas de lado. Você viu o filme Bullitt? É isso – em 2018 a Ford lançou uma série especial do novo Mustang que homenageia o filme de 1968.
De maneira alguma isso é uma crítica. Afinal, por mais de 50 anos o Mustang tem sido construído como um ponto de partida. Só locadoras o compram sem modificá-lo depois.
Todas as outras pessoas compram o carro e então contratam uma empresa de tuning para transformá-lo em outra coisa. É o que eu faria.
Não me entenda mal. O Mustang de fábrica pode ser dirigido normalmente. Ele escorrega um pouco em pisos ruins, indicando que possui uma base meio rudimentar, mas na maioria do tempo é silencioso, dócil e despretensioso.
Despretensioso demais, talvez. Porque, apesar dos toques ostentosos, sua forma em si é um pouco chocha. Não é o Mustang mais feio da história, mas não é o mais bonito. De forma alguma.
Ele não vai fazer muitas cabeças virarem, mas gostei da reação que causou entre os que o notaram: eles sorriram. O que me leva a uma recente campanha publicitária da Ford.
Na reunião em que ela foi concebida, a empresa deve ter decidido afastar sua imagem de fabricante do Mondeo e dizer a todos que agora faz carros empolgantes.
Por isso, está nos mostrando imagens do novo Focus RS, do Mustang e de um tipo de SUV chamativo, incitando-nos a “desaprender”.
Bem, se eu “desaprender” o que me lembro sobre a Ford no passado, tenho de esquecer do Lotus Cortina, do GT40 e do Escort RS Cosworth. Terei de esquecer de tudo o que faz as pessoas sorrirem quando veem um Mustang passar.
Se tivesse de resumi-lo, eu lhe daria quatro estrelas, porque um grande cupê com motor V8 a 36.000 libras (R$ 173.264) é admirável.
Mas porque é um Mustang, por causa de Steve McQueen. Porque isso faz com que as pessoas anseiem por ter um. E agora os britânicos podem. E não há motivo na Terra para não tê-lo.