Eu sempre achei que as letras usadas pela Citroën para seu detestável 2CV significavam chevaux (cavalos, em francês). Mas recentemente descobri que CV quer dizer chevaux-vapeur. O que, pelo que sei, significa “cavalos vaporizados”. E eu fico pensando se aquele pessoal vegano com barbas esquisitas que compararam esse carrinho sabia disso.
Acho que não. Porque um cavalo vaporizado não é o tipo de coisa que vai bem em um festival de paz e amor natureba. Seria como aparecer nele com uma caminhonete cheia de equipamentos de caça.
Diz a lenda que o 2CV foi projetado para que o camponês francês pudesse atravessar um campo arado com ovos no banco do passageiro, sem quebrá-los. Era barato, confortável e, com seu teto dobrável, divertido. Era um Fiat 500 francês, um Mini para o produtor rural, mas com um pulôver.
Até os ecochatos começarem a usá-lo como um modo de mostrar ao mundo que eles não acreditavam em petróleo ou hambúrgueres de carne, eu até que gostava dele. Era um Citroën típico, um carro de uma empresa que sempre olhava o que o resto do mundo estava fazendo e então fazia o contrário.
Era provocação, mas muitas vezes produziu algumas ideias realmente brilhantes, que todo mundo então teve de copiar. Usar a carroceria como chassi é um bom exemplo disso. Faróis direcionais são outro.
Esse jeito de pensar tornou a Citroën um uniforme para gente meio ponto fora da curva. Poetas e historiadores da arte tinham um carro da marca. O rapaz brilhante que era o primeiro lugar da turma, mas acabou virando encanador, também teria um. Corretores de ações, contadores e gerentes de banco, esses não. A Citroën era um refúgio para quem estava passando pela vida de um jeito um pouquinho diferente dos demais.
Um dos meus carros favoritos de todos os tempos é o antigo Citroën CX Safari. Ele tinha um volante com apenas um raio, porque todos os demais carros tinham dois, três ou quatro, e um toca-fitas montado verticalmente entre os assentos porque… por que não? Eu vou contar por que não: porque depois de um mês a entrada para as fitas ficaria entupida de pedacinhos de chocolate que não ficaram presos nas dobras da sua camisa.
Por baixo da carroceria, o Citroën era bem diferente, porque sua suspensão usava uma mágica que fazia com que nenhuma irregularidade do asfalto fosse transmitida à cabine. A parte ruim desse sistema era uma direção com ideias próprias e freios que funcionavam como botão liga/desliga: ou frenagem máxima ou nada.
Em um dado momento, a Citroën chegou a comprar a Maserati e produzir o lindo e sedutor Bora, um supercarro que combinava 1,5 tonelada de excentricidades francesas com uma boa dose de falta de confiabilidade italiana. Disseram-me que quando funcionava – quase nunca -, ele era maravilhoso.
Mas então, pouco a pouco, a Citroën começou a ser absorvida pelo império Peugeot. As esquisitices foram tiradas de linha e os carros se tornaram nada mais do que Peugeots com emblemas diferentes. Eles se tornaram chatos e normais.
Foi por isso que fiquei um pouco satisfeito em ver que a marca lançou o C4 Cactus, que foi colocado no mercado com uma placa do que parecia ser plástico bolha em cada lateral do veículo. “Sim”, pensei. “Eles voltaram a ser provocativos e bobos.”
E a coisa fica ainda melhor quando você entra, porque a cabine não se parece com a de qualquer carro que você já viu. O teto de vidro solar já é incomum, mas o painel, esse sim é exótico. Principalmente porque, na verdade, ele não existe.
Há uma caixinha que mostra a sua velocidade e um tipo de central multimídia que faz todo o resto. Todo o resto mesmo. Se quiser mudar qualquer ajuste do carro, você tem de primeiro entrar em um submenu. Fiquei espantado que a empresa não tenha colocado os controles das setas lá também. Teria sido uma coisa bem da Citroën.
Também teria sido uma coisa bem da Citroën projetar uma suspensão feita a partir de água de esgoto. Mas vivemos em tempos em que impera o resultado financeiro, por isso o C4 Cactus usa exatamente o mesmo tipo de suspensão que você encontra em qualquer outro carro.
No entanto, ela é ajustada para lhe dar um sabor do passado. Este é um carro confortável – não tanto quanto a Opel Zafira -, mas é um lugar bem agradável para quem tem problemas nas costas.
Mas não se você for alto. Se for, vai bater sua cabeça bastante. Porque a Citroën fez um forro de teto rebaixado para abrigar o airbag do passageiro. Isso significa que você ficará sempre batendo sua cabeça no que é, essencialmente, uma bomba. Sei não…
E então você vai ficar enfurecido quando quiser mudar a temperatura do ar-condicionado ou a estação de rádio, porque isso vai levar meia hora se você não tiver lido o manual de instruções.
E também tenho de reclamar da posição de dirigir, que é boa se você tiver braços e pernas com o mesmo comprimento. Só que os meus não são e os seus também não, o que faz com que você tenha de dirigir com as pernas bem abertas.
Em algum momento você vai precisar acelerar fundo – para entrar em uma rodovia, por exemplo. E você ficará surpreso pelo que vai acontecer em seguida: praticamente nada. Uma vez pilotei um superpetroleiro e levou três minutos para aumentar sua velocidade de 13,8 para 13,9 nós. Esses são números com que o motorista de um C4 Cactus só pode sonhar.
O que me fez ficar pensando em que categoria de carro ele se encaixa. Em termos mecânicos, é um compacto, mas o visual é mais de um crossover. Então, seus olhos dizem que ele será um carro atraente de bom desempenho, com talvez uma pitada de capacidade off-road, mas seu cérebro conclui que é só um carro para ir ao mercado e levar as crianças à escola.
Eu realmente estava esperando que o C4 Cactus seria esquisito e encantador, mas após uma semana com ele, lamento dizer que ele nada mais é do que um hatch com plástico bolha nas laterais da carroceria. Pena.
Jeremy Clarkson é jornalista, ex-apresentador do programa Top Gear e celebridade amada pelos fãs e odiada por algumas marcas. Para ler todas as suas colunas, clique aqui.