Para os chineses da montadora JAC Motors, o dia 18 de março deveria ser comemorado a cada ano. Internamente, a data era chamada de Dia J. Foi quando a JAC inaugurou simultaneamente 50 concessionárias em 28 cidades e começou a vender seu primeiro carro no país, o J3.
Com o apresentador Fausto Silva como garoto-propaganda, a montadora vendeu 2.000 veículos no primeiro mês e, com isso, passou a ter quase 1% de participação de mercado — mais do que Audi e BMW, por exemplo. No fim de junho de 2011, a JAC já havia se tornado a segunda maior importadora de automóveis do país, atrás apenas da coreana Kia.
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Hoje, o 18 de março é lembrado com saudade pelos executivos da empresa. O sonho de crescimento da JAC no Brasil — e de outras montadoras chinesas que decidiram se aventurar por aqui no mesmo período — ficou só no sonho. As empresas que ainda não desistiram do país estão mudando de estratégia para tentar vender minimamente no mercado brasileiro.
O primeiro sinal de que as montadoras chinesas teriam problemas no Brasil surgiu em 2012, quando o governo aumentou quase 30% o imposto cobrado sobre os veículos importados (uma medida que, segundo executivos de mercado, foi feita para conter o avanço chinês e proteger a turma de sempre). Ficariam isentos do imposto os carros de montadoras que começassem a produzir no país.
Diante disso, a JAC anunciou o plano de investir 900 milhões de reais para construir uma fábrica com capacidade para produzir 100.000 automóveis por ano em Camaçari, na Bahia. Em seguida, outra montadora chinesa, a Chery, iniciou a construção de uma fábrica em Jacareí, no interior de São Paulo, com capacidade para 50.000 veículos (estava prevista uma expansão para produzir até 150.000 carros).
E aí começaram os problemas típicos de qualquer obra de grande porte feita no Brasil — burocracia, atrasos na liberação de crédito e na obtenção de licenças ambientais, falta de mão de obra especializada, etc. — com o agravante de que, do outro lado, havia funcionários públicos chineses com suas idiossincrasias.
No caso da JAC, do projeto original, apenas a terraplenagem saiu do papel. Com o atraso das licenças ambientais, as obras tiveram de ser adiadas e pegaram o período de chuvas na região. Além disso, o governo da Bahia prometeu, mas nunca liberou, um financiamento de 120 milhões de reais para o projeto.
Para resolver o problema de falta de dinheiro, a matriz decidiu aumentar sua participação na fábrica de 34% para 66% — o restante estava a cargo do empresário brasileiro Sérgio Habib, dono do grupo SHC, representante da JAC no Brasil. A alteração estatutária, porém, levou meses, e os chineses esperaram a mudança para liberar os recursos.
Acabou saindo apenas no início de 2014, quando o mercado brasileiro de veículos já estava em desaceleração. Depois de dez anos de crescimento, as vendas caíram 2% de janeiro a março de 2014, com a perspectiva de novas baixas.
Diante do cenário ruim, os chineses desistiram da fábrica. Sérgio Habib assumiu o projeto, mas vai construir uma fábrica com capacidade para apenas 20.000 carros (que poderá ser expandida se o mercado melhorar). “Em 2012, a expectativa era que seriam vendidos quase 5 milhões de carros no Brasil em 2016. Estamos em menos de 2,5 milhões. Por isso, tivemos de nos adaptar”, diz Eduardo Pincigher, diretor de comunicação da SHC.
O Ministério do Planejamento está cobrando cerca de 180 milhões de reais da empresa por ela não ter construído a fábrica — para o ministério, ela não teria direito ao benefício fiscal usufruído no período.
Modelos antigos
A concorrente Chery até conseguiu construir sua fábrica. O projeto ficou pronto no começo de 2015, mas, dos 50.000 carros previstos para ser fabricados por ano, produziu apenas 5.600 até agora — desde 2011, ela vende os modelos econômicos QQ e Celer. Um problema foi o atraso na entrega de peças vindas da China.
“A empresa também falhou ao não trazer carros novos nem atualizar os que são vendidos aqui”, diz Vitor Klizas, presidente no Brasil da consultoria automotiva inglesa Jato Dynamics. Neste ano, a Chery resolveu mudar a estratégia: vai investir 50 milhões de reais na adaptação da fábrica para produzir o SUV Tiggo, que custa a partir de 53.990 reais.
A justificativa é que os consumidores de SUVs costumam ser mais resistentes à crise. “Ajustes são necessários e implantados sistematicamente em qualquer empresa. Estamos nos adequando à nova realidade”, afirma Luis Curi, vice-presidente da Chery no Brasil.
A partir do dia 18 de julho, 180 dos 400 funcionários da montadora terão seu contrato suspenso por cinco meses. Apenas 20 trabalhadores da produção continuarão operando — o restante faz parte dos setores administrativo e de manutenção.
A situação da Geely, montadora chinesa sem fábrica no Brasil, é ainda mais complicada. A empresa, que vendeu apenas 651 automóveis em 2015, decidiu suspender as importações. Vai vender apenas o que tem em estoque e, depois, sair do país.
“Não conseguimos atingir o tamanho necessário para ter uma operação lucrativa”, diz José Luiz Gandini, dono do Grupo Gandini, representante da marca no Brasil. Um problema foi a dificuldade em expandir a rede de distribuição, já que a montadora começou a vender no Brasil em 2013, quando as principais importadoras já haviam nomeado concessionários em todo o país.
Além disso, a alta do dólar dobrou o preço dos carros importados. “Se fosse repassar todos os custos, teria de vender o GC2 por 65.000 reais”, afirma Gandini (hoje, o carro custa 29.900 reais). O empresário tentou negociar com a matriz um desconto nos veículos, mas não teve sucesso.
Para quem comprou carros chineses, a preocupação é como consertar os automóveis que quebram. O medo é que aconteça com as montadoras de carros o que aconteceu com as fabricantes de motocicletas. De 2007 a 2009, mais de 30 empresas chinesas de motos passaram a vender aqui. Quase todas fecharam — a Dafra, a Trazz e a Shineray são as únicas que mantêm participações relevantes no mercado — e não mantiveram redes de assistência aos proprietários.
A JAC fechou metade das 70 concessionárias, a Chery fechou 50, e a Geely, 15 — mas as empresas dizem ter mantido a assistência mecânica em todas as cidades em que atuavam para que os proprietários possam fazer as revisões e manter a garantia de fábrica (os carros da Chery têm cinco anos de garantia, e os da JAC, seis). A expectativa, porém, era que fossem inauguradas concessionárias em mais cidades, o que não aconteceu.
Nas oficinas mecânicas comuns, a situação é mais complicada. Segundo o sindicato do setor, é difícil comprar peças para fazer os consertos. Em alguns casos, as próprias oficinas importam peças de Miami. Outra desvantagem é a desvalorização dos automóveis.
No ranking dos dez veículos que mais perdem valor após um ano de uso, sete são de origem chinesa — cinco da JAC e dois da Geely. Quem comprou um JAC J3 modelo 2015, por exemplo, hoje tem um veículo que vale 28% menos do que o zero-quilômetro. No caso do Fiat Palio, a desvalorização é de 17%.
A única exceção entre os chineses é a montadora Lifan, que fez tudo diferente das outras. Sua sacada foi fugir dos modelos econômicos e vender aqui um SUV compacto, o X60, que custa 61.900 reais na versão básica.
Sem grandes planos para o Brasil, a Lifan vende cerca de 5.000 veículos por ano. Na época da euforia, a JAC chegou a vender cerca de 24.000, e a Chery, 22.000. Hoje está todo mundo vendendo tão pouco quanto a rival que não tinha ambição alguma.