Por que marcas chinesas copiam carros de outros fabricantes?
As marcas ocidentais até tentam, mas é difícil acabar com as cópias chinesas. Porém, isso está começando a mudar
“Nada se cria, tudo se copia.” A frase do saudoso José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha, tinha como alvo os programas de TV. Porém, ela cabe como uma luva para alguns fabricantes de automóveis – e de tantos outros produtos – chineses.
Mas a pergunta que fica é: por que ninguém faz nada? As marcas afetadas até tentam, mas esbarram em muitos empecilhos. O primeiro, por sua vez, não é um problema exclusivo.
“Chineses são adeptos de cópias tanto quanto qualquer outra nacionalidade cujo sentimento individual de proteção à propriedade intelectual seja baixo e desde que os custos de adquirir cópias sejam compensadores”, explica Yi Shin Tang, professor doutor no Instituto de Relações Internacionais da USP.
Alexandre Uehara, coordenador do Grupo de Estudos sobre Ásia da USP vai mais a fundo. “Utilizando a engenharia reversa, as empresas chinesas se desenvolveram por meio de produtos de baixa tecnologia e baixo valor agregado, que se justificava sob o argumento de que é um elogio ser copiado”, diz.
Os chineses acreditavam que as companhias copiadas deveriam se sentir orgulhosas por serem alvo do plágio. Isso significaria que elas estão fazendo um bom trabalho.
A China ainda tem mais peculiaridades. Para estar lá, as empresas precisam compartilhar o conhecimento. O governo chinês consegue impor uma política protecionista e somente autoriza montadoras ocidentais a operarem no país com a condição de transferirem tecnologia localmente – as famosas joint-ventures. Essa política estará em vigor até 2022.
E por que não parar de vender ou produzir na China? Essa medida extrema nem sequer entra em pauta. A China é, de longe, o maior mercado mundial de automóveis. Em 2017, quase 30 milhões de veículos novos foram registrados – 13 vezes mais que o Brasil. O país ainda é o número 1 para diversas fabricantes – especialmente as premium.
A importância da China vai além. Ela também é peça fundamental em redução de custos de produção (mão de obra barata) na tentativa de tornar os produtos mais competitivos no mercado internacional. Por outro lado, existem leis que protegem a propriedade intelectual e industrial, mas elas não são aplicadas. Segundo Uehara, a contestação é feita pelas empresas, porém sem resultados que de fato impeçam a continuidade da comercialização.
A Honda, por exemplo, levou 12 anos para vencer o processo contra um fabricante local. Em 2016, a Jaguar Land Rover entrou na Justiça contra a Landwind, mas o X7 – o Evoque chinês – está no mercado desde 2014 e é um sucesso: responde por 60% das vendas da fabricante chinesa.
Shin Tang ainda mostra que, com as negociações nos anos 90 para inclusão da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), os chineses adquiriram certo jogo de cintura. “A prova de que os chineses têm aprendido a lidar com as instituições multilaterais é que eles têm conseguido obter mais benefícios nessas instituições do que as grandes potências têm conseguido induzir comportamentos chineses”, afirma.
No entanto, o fato de estarmos lidando com um gigantesco mercado consumidor ainda é um dado importante no assunto. Com a crise econômica, principalmente após a de 2008, quanto maior o valor agregado, mais o consumidor avalia a relação entre custo e benefício. “Os consumidores passaram a optar pelos produtos mais baratos e abriram mão da qualidade”, avalia o professor da USP.
Cópias protegidas
O cenário, no entanto, está mudando. As marcas estão cada vez mais impondo barreiras a esse processo. “As dificuldades das empresas estrangeiras em garantir os segredos empresariais fez com que se tomassem mais cuidados no relacionamento com as companhias chinesas e também com os elos da cadeia produtiva”, diz Uehara.
As empresas copiadas também seguem outras estratégias além da mera proteção legal. “No caso de peças automobilísticas, elas vêm tentando tornar seus itens cada vez mais difíceis de serem copiados do ponto de vista técnico, de forma a evidenciar para o consumidor a diferença de qualidade e estética entre um original e uma cópia”, completa Shin Tang.
Ao longo do tempo, o conhecimento acumulado com as imitações formou um know-how na China que tem estimulado o desenvolvimento de pesquisas e tecnologias. Os investimentos em ensino superior e centros de pesquisa também têm sido significativos.
Além disso, o país já é o segundo em pedidos de patentes à Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI). Em 2017, foram 48.882 solicitações. Se essa tendência atual continuar, a OMPI estima que em três anos a China vai ultrapassar os EUA – primeiro do ranking.