Com quase 23 anos de serviços prestados e muitas vendas, a primeira geração da Strada enfim será descontinuada, informou a Fiat. Desde o lançamento do novo modelo da picape, no ano passado, a clássica Stradinha vinha perdendo espaço nas linhas da fábrica de Betim, antecipando seu inevitável fim.
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Após alguns meses fabricando apenas a versão Hard Work da primeira Strada, a Stellantis confirmou que vai “descontinuar, a partir de janeiro de 2021, a produção da versão (…), priorizando, assim, as entregas da segunda geração do modelo”.
Ao longo de suas décadas, a Strada manteve desempenho comercial constante e, somando os últimos 11 anos, é o quinto carro mais vendido do Brasil, com cerca de 1,2 milhão de unidades. À sua frente, apenas os hatches Onix, Palio, Uno e Gol.
Palio halterofilista
Palio halterofilista. Foi assim que a edição 460 de QUATRO RODAS se referiu à novidade, que vinha substituir a lacuna de picapes da Fiat deixada pela Fiorino. A Strada chegou ao mercado no final de 1998 por R$ 17.150 — chegando aos R$ 24.458 com os opcionais incluídos.
Eram três opções de motor, com o Fiasa 1.5 de 76 cv, 1.6 8V de 93 cv e 1.6 16V de 106 cv, que gerava certa resistência no pós-venda por conta do receio que o consumidor tinha das 16 válvulas.
Se hoje reina soberana entre as caminhonetes leves, na época o páreo era duro, com Saveiro, Courier e Corsa disputando cada fatia das vendas. Quando comparada com a rival da Volkswagen, houve empate técnico: “Saveiro é mais estável, Strada é mais macia”, dissemos à época.
Um ano depois, o carro recebeu a inovadora cabine estendida, recuando a parede traseira em 30 cm. A sacada veio de uma pesquisa mercadológica da Fiat que constatou, quem diria, que 80% dos consumidores não usavam a caçamba e preferiam que parte desse espaço fosse transferido para dentro da cabine, a fim de levar itens pessoais.
Com cerca de 2,1 m de caçamba, ficou difícil carregar uma moto na Strada, mas sobrou espaço para pequenas bagagens. Esse apelo moderno inspirou até uma série especial da MTV, limitada a mil unidades que vinham com CD Player de série e identidade visual única.
Fôlego renovado
No início dos anos 2000 a Fiat explorava sem dó o sucesso da família Palio, e foi esperta ao emplacar, em 2001, um facelift no timing certo, reaquecendo as vendas.
Se por fora a Strada seguiu a identidade visual de seus irmãos, sob o capô houve mudanças, e o Fiasa deu lugar ao clássico 1.3 Fire. A nova versão Adventure se uniu à Working e ficou com o ‘filé’, equipadas com motor 1.8 Powertrain do Stilo.
Essa unidade de potência foi modificada para chegar aos 103 cv, um a mais que a picape Corsa. Além disso, novas relações de marcha permitiram mais torque em baixas rotações, com pico de 17 kgfm.
Atrasadinha
A primeira reestilização da linha Palio fez sucesso, e o grupo Italdesign foi convocado para criar a terceira versão para a Fiat. Dentre todos os carros da família, a Strada foi a última a ser lançada, chegando renovada no meio de 2004.
Um dos destaques foi a maçaneta da caçamba embutida no logotipo da Fiat, que viria a ser regra nas picapes da marca daí em diante.
De acordo com a fabricante italiana “buscando não encarecer o modelo”, a Strada ainda não receberia motor flex, que viria só em 2005.
Mudam concorrentes, mantém-se a líder
Em 2006 o cenário já era outro, e a Strada tinha a competente Chevrolet Montana no seu encalço. As duas caminhonetes protagonizaram comparativo na edição 549 de QUATRO RODAS (fevereiro) no qual a novata ganhou, aproveitando seu custo-benefício e motor 1.8.
“A nova Strada Trekking com motor 1.4 custa menos e oferece menos, na mesma medida. Pelo mesmo valor, a Montana consegue oferecer motor 1.8 e mais espaço na cabine. Perde-se espaço na caçamba mas, para uso misto, acaba compensando. A Trekking cabine estendida seria adversária mais difícil, mas está custando caro”, foi o veredito.
Em Os Eleitos, porém, a Strada venceu sua concorrente em 2005 e 2006, mostrando que gosto é mais subjetivo do que métricas.
Tentativa e erro
Seguindo a ordem natural do tempo, a Strada ainda recebeu um penúltimo facelift em 2009, quando também chegou a ousada versão cabine dupla. O meio-termo parecia não agradar muito, já que os bancos traseiros eram apertados e na caçamba mal cabiam duas bicicletas. Mas não foi bem assim.
As opções de cabine simples, estendida e dupla fizeram com que a picapinha caísse no gosto dos diversos públicos, mantendo sua adesão em alta.
O inesperado sucesso da cabine dupla elevou a confiança da Fiat e alimentou tentativas estranhas, como a Strada Sporting. A curiosa picape esportiva chegou a ser anunciada à imprensa em 2008, mas foi adiada por um ano, tendo seu hipotético motor 1.6 substituído pelo e-torq quatro-cilindros 1.8 16V flex de Punto e Siena, com 132 cv, e suspensão 1 cm mais baixa que nas outras versões.
Fora isso, esportividade, de praxe, só na estética da exagerada máscara negra, aerofólios, saias e outros adereços. Receosa, a Fiat transformou a versão em mera série especial, vendida sob medida. E, por fim, muito pouco vendida: mal durou um ano.
Anos depois, a última grande bugiganga foi uma sagaz terceira porta, ao estilo suicida, projetada para as cabines duplas da linha 2014 em diante. Com intenção de ampliar a área de entrada do carro, a porta era, de fato, “meio-suicida”, já que agia também como componente estrutural e só abria se a porta dianteira estivesse aberta, inviabilizando o ato que originou o apelido infame.
Dando o último gás no longevo projeto, a Fiat ainda deu sua última renovada estética na picape e adicionou itens exclusivos na categoria, como bloqueio do diferencial Locker e o câmbio automatizado Dualogic.
A Stradinha foi até onde deu, e com honras passou o bastão para sua sucessora em 2020. Ainda que a pandemia tenha poluído os números absolutos de venda, somente em fevereiro a antiga geração não ficou entre o top-10 brasileiro mensal.
Legado robusto
Derivado do mesmo glorioso projeto 178 de Palio, Siena, Weekend e Doblò, a primeira Strada era questão de honra à Fiat, que quase sempre foi líder no segmento de picapes leves do Brasil.
A montadora criou essa categoria no País com a 147 Pick-Up, de 1978, e só perdeu a liderança de vendas pontualmente, nos anos 90, para a Ford Pampa e VW Saveiro.
Esse orgulho ferido catalisou a necessidade de superar a versão caminhonete da Fiorino, baseada no Uno, e se adaptar aos novos tempos. Se hoje o futuro da Stellantis, que ataca das picapes leves à RAM 2500, é incerto, seu passado ao menos oferece um bom norte do que pode ser feito rumo à hegemonia.
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