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Quando Ayrton Senna escapou de uma multa de trânsito com dois autógrafos

Nosso colunista conta uma passagem inédita do dia em que Ayrton Senna (acompanhado de Berger e Modena) foi parado por um policial, na França

Por Charles Marzanasco
Atualizado em 8 jul 2021, 23h30 - Publicado em 8 jul 2021, 23h30
Nosso colunista conta uma passagem inédita do dia em que Ayrton Senna (acompanhado de Berger e Modena) foi parado por um policial, na França
Ayrton Senna com Gerhard Berger, ambos da McLaren, no GP Itália de Fórmula 1. (Acervo/Quatro Rodas)

Como assessor de imprensa de Ayrton Senna, entre 1987 e 1994, eu vivi com ele alguns momentos inusitados. Um deles foi em 1991, dois dias depois do Grande Prêmio de Mônaco, realizado no dia 12 de maio, quando o Senna obteve sua quarta vitória consecutiva no início daquela temporada, vindo da conquista do bicampeonato mundial de 1990 em cima de Alain Prost.

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Para quem não se lembra, foi aquela decisão no Japão em que o brasileiro bateu propositadamente na Ferrari do francês, na entrada da primeira curva, após a largada, dando o troco com a mesma moeda que havia recebido na própria pista de Suzuka, no Japão, em 1989, quando o título ficou com Prost apoiado pelo presidente da FIA, Jean-Marie Balestre.

O bicampeão mundial estava com tudo, principalmente na terra de seus rivais franceses. Lembro que assisti à vitória dele, em Mônaco, utilizando uma credencial de convidado em seu nome, que dava mais direitos dentro de um autódromo do que qualquer outra que jamais eu havia tido em toda a minha carreira de jornalista.

Minha viagem, porém, não previa apenas a cobertura do GP de Mônaco. No final de semana seguinte, haveria também uma prova de Fórmula 3000, do Christian Fittipaldi, no circuito de rua da cidade de Pau, também na França, que eu teria de divulgar. Por isso, o Senna aproveitou para ver se eu não queria acompanhá-lo no primeiro treino oficial de Fórmula 1 na pista de Magny-Cours, onde seria realizado o GP da França daquele ano, substituindo Paul Ricard. Assim, de lá, eu poderia fazer uma matéria com as impressões dele sobre o novo circuito para ser distribuída à imprensa brasileira.

Não estava acostumado com aquelas brincadeiras… só via o Senna sério e focado em ser o melhor

Aceitei o convite (ele era meu chefe) e, conforme combinado, às 10 horas da manhã, nos encontramos no apartamento dele, de onde partimos direto para o hangar em que estava o helicóptero que nos levou de Mônaco até o Aeroporto de Nice.

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Depois de um voo admirando as belíssimas paisagens da região, não demoramos muito para entrar no jatinho do piloto, um Hawker 800. Estavam conosco os pilotos Gerhard Berger e Stefano Modena, além do preparador físico do Senna, Josef Leberer. Quando o jatinho taxiava, o Ayrton, do meu lado, foi avisado pelo comandante Nelson Loureiro de que o painel de instrumentos acusou um problema técnico no freio e a nossa partida teria de ser retardada.

Pior para mim, porque o Senna (que além de meu chefe era meu ídolo), na mesma hora, olhou pra mim e brincou dizendo que eu era o pé-frio por estar viajando pela primeira vez com ele naquele avião. Veio a confirmação de que não haveria tempo hábil para o reparo e o voo foi cancelado. Pensamos em encontrar um voo de carreira, entre Nice e a cidade de Nevers, que é a mais próxima da pista de Magny-Cours. Mas o Berger solucionou o problema ligando para o seu piloto, na Áustria, pedindo para nos buscar com seu jatinho, um pouco menor do que o do Senna.

Se nada tivesse acontecido, a ideia era chegar ao Aeroporto de Nevers por volta de meio-dia. Porém, só chegamos lá próximo das 4 da tarde, embora ainda com tempo de os pilotos treinarem, porque, naquela época do ano, só escurecia por volta das 21h, naquela parte da Europa.

Atrasado, o Senna rapidamente pegou o carro que a McLaren havia deixado reservado para ele em uma locadora e partiu, tendo a seu lado, na frente, o Berger e atrás eu e o Modena. Deixamos o aeroporto e o que eu passei a presenciar dentro do carro (um sedã da Renault) foi inacreditável, com o Senna dirigindo apressado e o Berger aprontando todas para atrapalhá-lo. Uma hora desligava a chave, na outra acionava o esguicho de água dos limpadores do para-brisa, enfiando a mão na buzina quase o tempo todo.

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Trabalhando com Senna, eu não estava acostumado com aquelas brincadeiras. Na realidade, em treinos, corridas, eventos e entrevistas, quase sempre no meio de jornalistas, eu só via o Senna sério e focado na perfeição para ser o melhor.

De repente, formou uma fila de carros diminuindo a velocidade à frente e o Senna aproveitou para ultrapassar todos de uma vez, com segurança, é claro, porque não vinha nenhum outro no sentido contrário, embora as faixas não permitissem a manobra. Abaixei a cabeça tentando me esconder, ao notar que alguns motoristas reclamaram quando o Senna retornou à faixa certa, depois de avistar lá na frente um policial que observava toda a ação. Pior foi o Berger que, ao notar o medo de seu companheiro de equipe, voltou a buzinar, desligar o motor e acionar o esguicho dos limpadores do para-brisa para chamar atenção.

Àquela altura, imagino, o policial já devia estar pensando tratar-se de gente bêbada ou drogada ao volante do Renault. Tanto que, assim que nos aproximamos, ele fez sinal para pararmos, se dirigindo ao Senna com expressão zangada, pedindo os documentos. Eu passei a pasta executiva para o Ayrton, de onde ele tirou o passaporte e mostrou para o guarda. Quando o policial viu o nome de Ayrton Senna da Silva, sem ainda identificá-lo, porque ele estava de óculos escuros, o guarda ficou mais bravo ainda por achar que era outra brincadeira daquela turma de arruaceiros.

Percebendo o nervosismo da autoridade, Senna rapidamente tirou os óculos para que o policial o visse. Como o guarda continuava com cara de poucos amigos, a impressão era de que, no mínimo, o Senna levaria uma reprimenda e seria multado.

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Mas, ao contrário, o policial, dono de um enorme bigode, deu uma lição de moral em tom de brincadeira: “Monsieur Senná, ce n’est pas Monaco, c’est Nevers. Monaco C’est fini”, falou – algo como Senhor Senna, aqui não é Mônaco, aqui é Nevers. Mônaco já acabou – para depois apontar para uma placa indicativa com o nome da cidade, lendo sílaba por sílaba e repetindo: Ne… vers, Ne … vers.

Mas o prestígio do Senna estava tão em alta que, em vez de multá-lo, o policial pediu-lhe um autógrafo em seu talão de multas. Um não, dois. O segundo foi para outro policial, que também trabalhava naquela dia. Liberado, Senna olhou para mim e eu gelei. Achava que ele diria que a culpa daquela blitz era meu pé frio. Mas não, ele sorriu e falou que eu já tinha uma história para incluir na minha matéria do treino.

Esse episódio, porém, nunca foi contado. Só agora. E não foi por uma decisão minha. À noite, passei todas as informações sobre o primeiro treino de Senna em Magny-Cours e contei a história do policial francês, conforme havíamos combinado. Mas o pai do Ayrton, o senhor Milton da Silva, leu o texto no escritório em São Paulo e tirou a parte em que eu relatava o que havia acontecido em Nevers. Por telefone, ainda me deu uma bronca, preocupado com a imagem do filho.

Charles Marzanasco
Charles Marzanasco é jornalista, trabalhou nove anos como repórter na QUATRO RODAS, dez anos como assessor do piloto Ayrton Senna
e 25 anos na Audi (Arte/Quatro Rodas)

Pensando agora, o pai de Senna tinha razão. Mas a imagem do piloto não poderia estar melhor naquela época. Certamente, as pessoas achariam graça e perdoariam o campeão, como fez o policial francês.

Charles Marzanasco

Jornalista, trabalhou nove anos como repórter na QUATRO RODAS, dez anos como assessor do piloto Ayrton Senna
e 25 anos na Audi

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