Quer ser sócio de uma marca chinesa de carro? No Salão de Xangai você pode
Evento se profissionalizou e vê cada vez menos cópias, mas tem invasão de "caça-investidores" para projetos para lá de obscuros
Há pouco menos de uma década a indústria automobilística chinesa ainda era conhecida por produzir as mais diferentes “réplicas” de veículos ocidentais.
As discutíveis homenagens envolviam cópias de modelos tão distintos como Ford F150 Raptor, Volkswagen Up! e a maioria dos alemães premium.
Mas o mercado chinês amadureceu e mudou – ainda que tenha algumas características, no mínimo, peculiares.QUATRO RODAS percorreu os oitos pavilhões do Salão de Xangai à procura dos modelos “piratas”, mas encontrou poucos exemplos da velha China.
O que sobrou foram os carros “pega-investidor”.
Você quer comprar uma fábrica hoje?
Ainda que os incentivos fiscais para veículos elétricos tenha caído nos últimos anos, a China ainda estimula intensamente esse tipo de automóvel.
Em Xangai, por exemplo, a restrição de licenciamento de novos carros não afeta modelos elétricos, tornando sua aquisição mais atraente.
Por isso que não falta na China – e, consequentemente, no salão – são empresas produtoras de modelos elétricos. O último balanço indica mais de 400 montadoras, número que supera de longe o de fabricantes tradicionais.
Claro que, até para os padrões chineses, não há mercado para todos esses carros.
Porém, enquanto a bolha não estoura, centenas de investidores têm aberto as mais diferentes empresas de veículos elétricos em busca de sócios, sobretudo estrangeiros – e seu dinheiro.
Isso explicou a agilidade com que representantes da desconhecida Dorcen me procuraram enquanto eu percorria o estande da empresa.
Falando inglês (algo raro mesmo em feiras de eventos na China), Bruce Ye se apresentou como gerente regional para a América Latina da companhia, e questionou se eu estava à procura de oportunidades para investir em veículos de passeio e comerciais elétricos.
Mesmo declinando da oferta e identificando-me como jornalista, Ye seguiu ao meu lado por todo o estande, pedindo insistentemente meu cartão de visita e questionando como é o mercado brasileiro.
Enquanto desviava dele como se fosse um vendedor de cartão de crédito de loja de departamento, observava as características inusitadas dos mais diferentes modelos da marca.
A qualidade geral de acabamento é surpreendentemente boa para uma empresa praticamente de fachada, ainda que inferior ao de modelos chineses consolidados.
No entanto, há exotismos como freios a disco perfurados no G60, um SUV 1.5 de 1.440 kg e um misterioso botão com o símbolo de uma câmera fotográfica que nem ao menos o vendedor soube explicar sua função.
A maioria dos produtos dessas marcas fadadas ao desaparecimento conta com uma longa lista de equipamentos já conhecidos na indústria, como chave presencial, ar-condicionado digital e mesmo controlador de velocidade adaptativo.
Essa é a parte fácil, afinal, basta adquirir a tecnologia de uma sistemista tradicional.
Integrar tudo, porém, é mais complicado, como pudemos ver no sistema multimídia em pane do SUV G60. Aliás, o nome ocidental da maioria desses veículos é basicamente uma sigla alfanumérica.
Fazer diferente
Para algumas empresas locais não basta usar as mesmas tecnologias da concorrência ocidental. Algumas parecem querer ir além, mesmo que isso não necessariamente faça sentido.
Veja o caso do SUV com jeitão de Tesla da Xiaopeng G3. Apesar de ter as linhas externas e a enorme tela sensível ao toque central quase idênticos ao Model X, o modelo deu um novo significado ao termo “câmera 360 graus”.
Ao invés de somar as imagens de câmeras nos retrovisores, na frente e atrás, a marca buscou criar, literalmente, a visão de topo.
Isso porque o equipamento opcional do carro fica posicionado acima do teto, e se ergue por meio de braços elétricos para gravar uma visão completa ao redor do carro.
Sim, não faz sentido algum e a aparência do equipamento transmite a robustez dos primeiros carros chineses vendidos no Brasil. Mas, na busca do dinheiro de investidor, vale tudo.
Dianteira de um, traseira de outro
As cópias chinesas diminuíram muito, mas ainda estão lá. Uma das mais exóticas é o Baic BJ80, ou versão genérica do Mercedes-Benz Classe G.
Este é um exemplo de quando o apelo despojo se torna um facilitador. Ainda que seja moderno, o rústico SUV alemão ainda tem características retrô, como calhas no teto e portas de fechamento metálico ruidoso.
E, ao menos neste ponto, o BJ80 é fiel à sua referência. Faltou apenas combinar com os alemães o uso de um motor similar, já que o 2.3 turbo com 250 cv do modelo chinês passa bem longe das opções do Classe G, que vão até o V8 biturbo de 585 cv.
A marca também mostrava em seu estande o BJ40, um arremedo de Toyota FJ Cruiser e Jeep Wrangler. O Changhe Q7, porém, supera a salada de referências de um carro chinês.
A dianteira bebeu da fonte inglesa da Land Rover, com grade de Range Rover Sport, faróis afilados do Vogue e o clássico letreiro do capô que ficou famoso no Discovery.
Já a traseira tem lanternas integradas de Cayenne e perfil de Discovery Sport. Sem falar, claro, no nome de carro da Audi.
A desaceleração da indústria da China e a natural saturação do mercado automotivo deve decantar a profusão de veículos fora do comum (e da realidade) no país, mas é provável que sempre haverá um ou outro modelo para “homenagear” as marcas ocidentais.