Renault Scenic muda de gênero e vira SUV elétrico bom de dirigir
Ela já foi “a” Scénic, mas da minivan que inaugurou a fábrica da Renault no Brasil só restou o nome. Agora trata-se “do” Scenic, um SUV da marca francesa
A minivan Scénic foi o primeiro modelo da Renault a ser produzido na fábrica de São José dos Pinhais, no Paraná, lá em 1998. Fez história e abriu caminho para a chegada das concorrentes Citroën Picasso e Chevrolet Zafira. Depois, todo mundo sabe o que aconteceu. O segmento acabou engolido pelo processo de “suvinização” que invadiu as linhas de produção e as ruas do mundo. Muitas ficaram pelo caminho, atropeladas pelos SUVs. A Renault deu seu jeito de sobreviver. Retirou o acento, mudou o gênero “da” Scénic e deu vida “ao” Scenic, agora um SUV elétrico.
À medida que vão surgindo os novos Renault feitos sob a liderança do design de Gilles Vidal (ex-Peugeot) vão-se percebendo as transformações nas linhas. Isso é especialmente verdade no caso do Scenic, tecnicamente muito próximo do Megane, embora diferente em aparência e tamanho.
O Scenic segue a mesma trilha do Megane, modelo que já foi sedã (além de hatch) e atualmente não esconde sua vontade de ser SUV. Mas o estreante é 27 cm maior que o Megane (já à venda no Brasil, na versão elétrica, E-Tech). São 4,45 m. Além disso, é 10 cm mais largo (1,86 m), 6 cm mais alto (1,57 m) e tem 10 cm a mais tanto na distância entre-eixos (2,78 m) como na bitola das rodas. Em proporções, o Scenic está na companhia do Volvo XC40, por exemplo. Na Europa, embora os preços não tenham sido revelados, deve concorrer também com o VW ID.4 (que aqui no Brasil não é vendido, só alugado), na faixa de 45.000 euros ( R$ 240.000).
O modelo chega em duas versões. Uma com bateria de 60 kWh e 170 cv (também disponível no Megane) e outra de 87 kWh e 218 cv. Ambas com química de níquel/manganês/cobalto, feita pela LG Chem, mas com densidade energética 6% mais elevada do que no Megane.
Dirigimos a versão mais potente nos arredores de Paris. O modelo dispõe de função de pré-aquecimento para que as baterias estejam na temperatura ideal no momento de recarga (o que acelera o processo). Isso, porém, só acontece se o sistema de navegação estiver ativado (o motorista não pode ativar essa função manualmente, ao contrário do que ocorre em outros carros elétricos). A autonomia anunciada é de 425 km para a bateria menor e 625 km para a maior. Em ambos os casos, elas estão colocadas sob o piso, entre os eixos. Motor e tração ficam na dianteira.
Interior amplo e conhecido
O interior lembra o do Megane e da minivan Espace. É bastante arejado, e vários comandos (incluindo de câmbio) ficam na coluna de direção, o que libera espaço entre os bancos. A tela digital da instrumentação e a central multimídia têm praticamente o mesmo tamanho (12,3” e 12”, respectivamente), sendo que a central fica na vertical.
A datada haste satélite de comando do áudio permanece na coluna, como um peixe fora d’água. Também merecem reparos a inexistência de head-up display e a escassa visão traseira para o motorista, por culpa do vidro traseiro mínimo (tanto que, opcionalmente, a Renault oferece um retrovisor interno com imagem por câmera traseira).
Os bancos são confortáveis e dispõem de suficiente apoio lateral. O modelo traz o intuitivo sistema operacional Android, com funções da Google (como mapas, assistente e a loja de aplicativos Play Store). Daqui resulta também uma das melhores capacidades de compreensão de comandos vocais do mercado.
Como é comum nos carros elétricos, predominam os plásticos de toque duro, e as borboletas no volante são de plástico de aspecto simples. Mas o painel é menos minimalista do que o do VW ID.4: as telas são maiores e foram mantidos comandos físicos para funções mais recorrentes, como climatização.
O revestimento utiliza tecido nas versões básica e intermediária, enquanto a topo de linha dispõe de imitação de couro (o couro animal foi abolido no novo Scenic). O espaço no banco de trás é amplo. Sobra um palmo bem aberto entre os joelhos de um passageiro de 1,80 m e as costas dos bancos dianteiros, enquanto cabem quatro dedos em altura até o teto.
O piso é plano no centro, mas o quinto ocupante vai se deparar com um lugar mais estreito e com encosto mais duro. Existe a opção de teto panorâmico que varia a opacidade (por meio de um sistema de cristais líquidos), podendo ficar mais opaco sobre a dianteira e mais transparente sobre a traseira, ou vice-versa.
Há diversos porta-objetos, entre os quais se destacam os grandes compartimentos nas portas (bem forradas) e outro sob o apoio de braço deslizante. Já a saída de ventilação para trás é muito pobre (na qualidade do plástico e também por não dispor de ajuste de temperatura e intensidade de ar).
Condução dinâmica
Como é congênito nos automóveis elétricos, as acelerações são instantâneas e a suavidade impera, mesmo com o carro lotado. A direção é rápida, mas ao mesmo tempo é leve e imprecisa. Os modos de condução podem ser ajustados por meio do botão Multisense, no volante. É possível também personalizar ajustes, como selecionar direção Sport com acelerador Comfort. A diferença na resposta do motor é evidente entre os modos Eco e Comfort, mas quase inexistente entre Comfort e Sport.
A suspensão tem uma afinação relativamente seca, um efeito sempre amplificado nos carros elétricos pelo substancial peso das baterias. Os pneus de perfil baixo (235/40) em rodas aro 20 na unidade testada contribuíram ainda mais para essa sensação de firmeza, que não sendo excessiva sobre asfalto plano acaba por gerar impactos fortes ao passar sobre buracos ou grandes desníveis no pavimento. Em velocidades mais altas e em curvas, a estabilidade é excelente.
Outro aspecto da dinâmica que não convence é a resposta do freio, por ser tardia (o primeiro quarto de curso do pedal quase não gera desaceleração). Isso causa impressão de insegurança.
Há quatro níveis de recuperação de nergia (0, 1, 2 e 3), que podem ser ajustados por borboletas atrás do volante. Mas os modos não só não têm uma grande diferença entre si como o mais forte (3) não executa a função one pedal drive (o carro não chega a se imobilizar por completo quando soltamos o pedal do acelerador).
O consumo durante os 93 km de nossa avaliação foi bem mais elevado do que o anunciado pela marca francesa: apesar do pouco uso em rodovias, ficamos nos 22 kWh/100 km, muito acima dos 16,8 kWh/100 km declarados pela Renault, o que faz dos 625 km de autonomia homologada apenas uma miragem. Os franceses justificaram a disparidade dizendo que o carro de testes era uma unidade pré-série.
Os preços na Europa ainda não foram divulgados. No Brasil, a Renault informa que não tem planos para o modelo, neste momento.
Veredicto Quatro Rodas – O SUV agrada em espaço, estilo, desempenho e estabilidade. Mas peca em conforto, consumo e eficiência de frenagem.
Ficha Técnica – Renault Scenic
Preço: 45.000 euros (estimado)
Motor: diant., elétr., 218 cv e 30,6 kgfm
Baterias: íons de lítio, 87 kWh
Carga: potência máxima, 7 kW (AC), 150 kW (DC) Câmbio: autom., 1 m., tração dianteira
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (diant.), braços paralelos (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.); sólido (tras.)
Pneus: 205/55 R19
Dimensões: compr., 444,7 cm; largura, 186,4 cm; altura, 157,1 cm; entre-eixos, 278,5 cm; peso, 1.850 kg; porta-malas,545-1.670 l
Desempenho*: 0 a 100 km/h, 8,4 s; veloc. máx., 170 km/h; cons. misto de 16,8 kWh/100 km; autonomia, 625 km; carga (0 a 100%): 13 h (7 kW AC), 5 h (22 kW AC)
*Dados de fábrica