Há uma sala superexclusiva na fábrica de motores da Nissan, em Yokohama, Japão. O acesso é restrito e nem os funcionários da linha de montagem podem entrar sem autorização, mas eu ganhei um tíquete dourado para conhecer seus segredos.
Lá trabalham os takumis, mestres-artesãos responsáveis pela montagem do motor VR38DETT. Talvez você não saiba esse código, mas conhece o dono: o lendário GT-R.
O V6 3.8 de 565 cv do cupê ganha vida pelas mãos dos takumis, que montam manualmente cada uma das 375 peças e 67 parafusos e porcas do motor de série mais potente da Nissan.
Do começo ao fim, cada unidade fica a cargo de apenas um especialista. E ao final do trabalho, ele instala uma plaqueta metálica no bloco com seu nome e imortaliza o trabalho 100% artesanal.
Os takumis são considerados os melhores mecânicos da empresa, mais rápidos e mais precisos, e os únicos autorizados a lidar com o motor do GT-R. Só há oito em atividade – cinco mestres e três subtakumis (o sub é uma espécie de aprendiz).
Apenas eles estão qualificados para o trabalho, um serviço sensorial que exige, além do conhecimento técnico, tato e audição afinados para extrair o máximo de potência de um bloco tão pequeno.
“Sem os takumis, o GT-R não seria do jeito que é. Para obter o mesmo desempenho, precisaríamos de um propulsor maior e mais pesado”, diz Kinichi Tanuma, engenheiro-chefe e membro do conselho da Nissan.
Segundo Tanuma, é possível até que o carro fosse mais caro, já que o custo de produção seria maior. “Muitas peças teriam de ser descartadas, já que teríamos que fabricar diversos componentes e só então selecionar os melhores”, justifica.
“Um motor mais pesado também teria impacto no equilíbrio do chassi. Então a otimização do VR38 só é possível com o trabalho deles”, afirma o conselheiro.
Todos os V6 3.8 que saem da fábrica japonesa passam pelas mãos dos artesãos. Então, o ritmo de produção é intenso e orquestrado.
Para atender à demanda mundial de GT-R, cada artesão precisa entregar entre dois e três motores a cada turno, que dura cerca de 9,5 horas, cinco dias por semana – e nem isso é o suficiente. A fila de espera por um GT-R zero-quilômetro pode chegar a um ano.
Voltemos à sala dos mestres. Tudo é controlado: a temperatura está sempre em 23°C, com umidade máxima de 57% e pressão atmosférica de 1,2 bar. A pressão positiva impede que o ar externo entre na sala – o fluxo é de dentro para fora toda vez que alguém abre a porta.
E quem dá boas-vindas aos raros visitantes é um capacho adesivo azul. Como uma armadilha de insetos, a superfície do tapete grudante agarra a sola do sapato, retendo as partículas que poderiam contaminar as peças.
Esse controle rigoroso do ambiente é necessário para evitar variações de dilatação nos metais.
“Trabalhamos com tolerâncias de folga 50% menores que os limites da linha de montagem por robôs”, diz Takumi Kurosawa, 55 anos, chefe do departamento. “Não existe produção de massa automatizada capaz de obter tanta precisão”, completa.
Na prática, as folgas (ou gaps) toleradas na linha dos motores quatro cilindros são de 80 mícrons. No caso do VR38, o gap não passa de 40. Porém, a equipe de Kurosawa tem mantido o índice em 10 mícrons – um recorde.
O mestre responsável pela seção se refere principalmente ao controle das folgas entre os cames do comando de válvulas e os tuchos mecânicos. Por meio de réguas especiais, os takumis medem os espaços entre as peças e selecionam os componentes adequados.
“Não é um trabalho simples. Temos 28 tamanhos de tuchos para utilizar”, explica o takumi-chefe.
Ao olho destreinado, os componentes são idênticos. E quando selecionam um tucho específico, os mestres se baseiam na resistência que sentem ao inserir a régua de medição entre a peça e o excêntrico – outra das habilidades sensoriais exigidas.
A união entre o bloco e câmaras de admissão e escape também requer meticulosidade na montagem.
Usando os dedos, o montador sente possíveis degraus entre os componentes em toda a sua extensão e controla a pressão dos parafusos até eliminar o desnível milimétrico – problema que poderia criar microvértices no fluxo interno de gases e comprometer o desempenho.
Takumi Kurosawa ocupa seu posto há sete anos – e a coincidência do nome com a função faz jus ao cargo. Sua obsessão é garantir que cada GT-R tenha o nível de potência estipulado pela montadora. E se orgulha por atender ao objetivo.
“Os clientes ficam contentes quando seus carros são até mais potentes do que deveriam”, conta. “Nosso trabalho rende pelo menos 20 cv ao motor.”
O trabalho de Kurosawa e sua equipe começa pela escolha das peças. Uma inspeção visual e tátil classifica os componentes. Só o material aprovado pelo takumi é aproveitado.
Tudo o que é feito de alumínio é colocado em temperatura ambiente por quatro horas. As peças de aço são separadas e ficam intocadas por pelo menos sete horas, a 25°C. Esse preparo garante o nível de dilatação estabelecido pelos engenheiros.
O profissional também detecta (e limpa) eventuais partículas de poeira ou metal, tarefa que as máquinas não são capazes de fazer.
Na sala dos takumis, todas as ferramentas de ar comprimido foram abolidas para evitar a contaminação por micropartículas de pó. As parafusadeiras e lixadeiras são elétricas.
Até o uniforme dos mestres-artesãos são distintos dos demais funcionários da fábrica de Tochigi – têm tecido antiestático para não atrair poeira.
Hoje, além de Kurosawa, Tsunemi Ooyama, Hiroyuki Ichikawa, Tetsuji Matsumoto e Izumi Shioya são os nomes que estampam as plaquetas do VR38.
Em breve, os subtakumis Eisuke Tomihara, Yumika Takechi – única mulher do grupo – e Masami Koyama devem conquistar seu título na cobiçada insígnia. Até lá, eles continuarão repetindo a tarefa para acumular experiência e fazer o que nenhum outro funcionário da Nissan pode fazer.
Até o dia em que QUATRO RODAS visitou os takumis, eles haviam feito o trabalho por 34.183 vezes.
Se repetição leva à perfeição, eles merecem o título de mestres.