O primeiro carro feito por Enzo Ferrari e outros segredos de museus automotivos
Visitas a museus de carros ficam bem mais interessantes quando se tem a oportunidade de conversar com os funcionários que cuidam dos acervos

Museus são lugares cheios de histórias e funcionários prontos a compartilhar o que sabem, como eu comprovo nesta coluna.
Em setembro de 2022, uma das atividades do programa de lançamento da Ferrari Purosangue foi a visita ao Museu Enzo Ferrari, em Modena (Itália) – mais interessante que a Galeria Ferrari, que é maior e mais conhecida, em Maranelo, mas esse museu de Modena funciona em dois prédios, sendo um deles o que abrigou a primeira oficina mecânica de Enzo Ferrari, ou seja: experiência única.

Na ocasião, a Ferrari exibiu carros antigos que traziam características técnicas e de estilo que antecipavam soluções presentes na Purosangue, um modelo fora dos padrões da marca. Entre os carros mostrados havia uma 166 Inter Coupé (Carrozzeria Touring), de 1948, com quatro lugares e porta-malas, e uma FF, de 2011, a primeira Ferrari com tração nas quatro rodas.
As fábricas costumam lançar mão de seus clássicos quando querem atenuar o estranhamento provocado por um lançamento. Para nós, jornalistas, é uma oportunidade ótima de aprender, ver modelos raros de perto e falar com os funcionários das fábricas, que sempre têm boas histórias.

Foi no BMW Museum, em Munique (Alemanha), que fiquei sabendo o porquê das cores azul, laranja e roxo da Motorsport [azul, da BMW; laranja, da Texaco, que, na época (1972), fornecia a gasolina para a BMW nas competições; e roxo, que era a fusão das outras duas]. E também da situação embaraçosa que a BMW passou quando, no Salão de Frankfurt de 1951, o chanceler alemão Konrad Adenauer entrou no lançamento da marca, o modelo 505, e, com seu 1,86 m de altura, não conseguiu se acomodar ao volante, para logo depois conseguir se posicionar no Mercedes 300 (que também era lançamento), modelo que depois se tornou o carro oficial do governo e até hoje reconhecido como Mercedes Adenauer.

Naquele dia, no Museu Enzo Ferrari, não foi diferente. Tive uma conversa animada com um funcionário, que sabia em detalhes toda a história dos carros do acervo. E, entre um carro e outro, ele me disse que o modelo mais raro que existe fora da coleção da Ferrari é o Auto Avio 815, o primeiro construído por Enzo Ferrari, logo depois de ele ter deixado a Alfa Romeo, em 1939, tendo ficado impedido de exercer qualquer atividade relacionadas às competições por cinco anos.
O colecionador agradeceu, mas mandou o cheque de volta
Com o dinheiro que recebeu na saída, porém, Enzo criou, no mesmo ano, a Auto Avio Costruzioni e fabricou seu primeiro modelo, baseado em partes do Fiat 508 C (Balilla). Foram produzidas apenas duas unidades do modelo que disputou as Mille Miglia, no ano seguinte. Nenhuma das duas concluiu a prova, por conta de problemas no motor. Depois disso, uma das unidades foi descartada e restou somente uma, que atualmente pertence a um colecionador italiano.


O funcionário não falou quem seria o dono. Disse apenas que o Auto Avio estava em uma coleção particular e, mais importante, que a Ferrari tentou comprar esse carro inúmeras vezes. Ele contou que em uma dessas tentativas, cansado de fazer ofertas cada vez mais “irrecusáveis”, o presidente da Ferrari (entre os anos de 1991 e 2014 ), Luca di Montezemolo, teria enviado um cheque em branco e o recado de que o proprietário do carro poderia preencher o valor que quisesse. O colecionador agradeceu, mas mandou o cheque de volta, sem preencher.
Como dever do ofício e porque curiosidade mata, ao voltar pra casa, fui pesquisar sobre as informações dadas pelos funcionários. No caso do chanceler Adenauer, descobri que frequentemente ele mesmo dirigia seus carros, mesmo sem nunca ter tirado habilitação. E que o proprietário do Auto Avio 815 é um empresário de Bolonha (Itália), chamado Mario Righini, que possui outras raridades históricas em sua coleção, como um Alfa Romeo 2300 8C, que venceu a Targa Florio em 1933, tendo Tazio Nuvolari ao volante. O primeiro carro construído exclusivamente pela Ferrari foi a 125 GT, de 1945, que deu origem ao 125 S de competição.
