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Opinião: “O design de um carro não é considerado uma obra de arte?”

Objetos reproduzidos em escala industrial perdem a aura das obras de arte. Será?

Por Paulo Campo Grande Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 5 out 2024, 20h48 - Publicado em 5 out 2024, 17h00
Aston vantage 94 efd
AM Vantage V8: seu design parece transpirar força e esportividade (Divulgação/Quatro Rodas)
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Objetos reproduzidos em escala industrial perdem a aura das obras de arte. Mas como não se encantar diante de automóveis bonitos e que materializam ideais de beleza, esportividade e sofisticação?

No começo da carreira, eu não conhecia a Aston Martin. A primeira vez que vi  seus carros de perto foi em um salão do automóvel, não lembro direito qual. Arrisco dizer Genebra, na Suíça, em 1994. Mas as imagens dos carros na memória estão nítidas. Como se fosse hoje. Me deparei com o Vantage V8, apresentado um ano antes, e fiquei impressionado com sua presença, com as linhas que me passavam a ideia de força. Eu ainda não tinha a informação de que embaixo havia um V8, mas tinha certeza de que era algo com muita potência.

A cor verde, um tipo de verde-abacate, era uma variedade do famoso British Racing Green, associada aos carros de corrida ingleses. Ao lado do Vantage havia um DB7, que era a novidade da marca naquele ano. Mas este não me chamou tanto a atenção, com seu visual mais limpo. O DB7 foi o primeiro projeto da Aston Martin lançado sob gestão da Ford, que manteve a marca até 2007, dentro de sua divisão Premier Automotive Group. O PAG, como era chamado, durou até 2011, formado por nada menos que Aston Martin, Jaguar, Land Rover, Lincoln e Volvo. O DB7 usa a mesma plataforma do Jaguar XK8, lançado em 1996.

Mesmo sem saber nada sobre Aston Martin, reconheci no Vantage algo de muito especial, um esportivo de linhagem distinta. Algo que não sei expressar claramente, mas que seu design conseguiu me comunicar. E estou contando essa história aqui justamente para falar dessa capacidade do design de transmitir os valores das marcas, algo que sempre me fascinou.

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Naquela mesma época, por volta de 1994, conheci um italiano, dono de uma Ferrari F40, que trouxe seu carro ao Brasil para participar de um evento em Interlagos. Ele me disse que considerava a F40 uma obra de arte, com a diferença de que ela não estava em um museu, mas em sua garagem. “Depois de contemplá-la por horas, eu ainda posso rodar com ela”, afirmou sorrindo e satisfeito.

Em outra ocasião, o designer Giorgetto Giugiaro, citando o filósofo alemão Walter Benjamin, me falou que: “Se é verdade que todo objeto que possa ser reproduzido em escala não é arte, o design de um automóvel não é considerado arte”. 

300 SL
Mercedes 300 SL inspirou o artista americano Andy Warhol (Marco de Bari/Quatro Rodas)
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Os americanos relacionam a palavra design ao processo de concepção dos produtos e não ao estilo, como nós. E, de fato, essa propriedade do design de encantar e transmitir valores depende muito dos recursos industriais que o designer tem a seu dispor. Além dele próprio, designer.

Os estilos bonitos, elaborados, expressivos das marcas premium contam não só com a história, a tradição das marcas e o talento dos designers contratados a peso de ouro, mas com ferramentas que permitem executar determinadas formas e investimentos que podem ser recuperados mais tarde, nas lojas. O Dacia Logan, por exemplo, não nasceu feio porque os designers da Renault não sabiam desenhar. Mas porque ele deveria ter vidros planos, carroceria com superfícies simples, componentes fáceis de executar, para chegar ao mercado custando pouco.  O Logan era classificado como low-cost (baixo custo).

Logan CVT

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Há casos, nos segmentos de entrada, como o do Hyundai HB20, da primeira geração, em que o design era sofisticado, embora os materiais empregados na construção fossem simples. Isso fica nítido quando se observa o painel, com linhas ousadas, bem trabalhadas, em uma peça de plástico barato. O painel é uma das partes mais caras de um carro, uma vez que, além de não custar pouco, não pode ser compartilhado com outros veículos que usam a mesma plataforma, onde quase tudo é compartilhado.

É importante notar que o estilo segue tendências, que evoluem com os padrões estéticos das épocas e também com a tecnologia que possibilita abordagens diferentes, por parte dos designers. Até a invenção do policarbonato, por exemplo, o vidro só permitia que se fizessem faróis com lentes redondas ou quadradas.

Ao ler o livro do designer Walter de Silva, Il Codice De Silva, sobre o qual já escrevi nesta coluna, cheguei à conclusão de que essas divagações sobre design expressivo, elaborado, é coisa de aficionado de carros, de design, além dos próprios profissionais da área. Para as fábricas, isso pouco importa. O importante é a rentabilidade dos projetos e o desempenho deles no mercado. Se o design ajudar a vender, ótimo. É mais ou menos como no futebol: só o torcedor sofre.

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Jaguar
Jaguar E-Type integra o acervo do Museum of Modern Art de Nova York (MoMA) (Divulgação/Quatro Rodas)
Jornalista fala sobre diferentes assuntos, reflexões e memórias que considera interessantes para compartilhar com os leitores.
(Arte/Quatro Rodas)

Seguindo o pensamento do Walter Benjamin, de fato, um carro, por mais belo que seja, reproduzido milhares de vezes, em uma linha de montagem, perde a unicidade e a singularidade da obra de arte. As linhas de um Mercedes ou de um Bentley deixam de ser tão autênticas, embora sempre apreciáveis. Alguns dos carros sempre serão interessantes e dignos de serem contemplados como os Jaguar E-Type e o Mercedes-Benz 300 SL Gullwing, que figuram entre os carros mais bonitos de todos os tempos por muitos, inclusive eu. Não é à toa que o design é um dos principais atrativos de venda de carros.

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