O mercado brasileiro mudou muito nos últimos 10 anos. Os SUVs tornaram-se os carros mais vendidos, superando os hatchbacks e a transmisssão automática está cada vez mais comum, aos poucos empurrando o câmbio manual para o esquecimento. A prova disso é o Renault Kardian, que acaba de ganhar uma versão de entrada com pedal de embreagem e isto faz com que seja o único SUV compacto com motor turbo e uma transmissão manual à venda no país.
Até mesmo se desconsiderarmos o motor turbo, esta versão entra em uma lista bem pequena de SUVs compactos manuais, que tem apenas outros quatro carros em quatro versões específicas: Citroën Basalt 1.0 Feel, Fiat Pulse 1.3 Drive, Renault Duster 1.6 Intense Plus e Suzuki Jimny Sierra 1.5 4You Allgrip.
Então, o que levou a Renault a apostar em nesta combinação quase extinta no segmento? A fabricante diz que quer atrair o cliente que ainda gosta do prazer de dirigir que um câmbio manual traz, aquela sensação de esportividade e controle que está desaparecendo do mercado.
A segunda razão, embora não seja confirmada pela marca, são as vendas diretas. Por ser uma opção mais barata e com manutenção mais barata, será mais procurada por frotistas e locadoras, o que ajudará a aumentar ainda mais os emplacamentos. Em setembro, 66,4% das vendas do Kardian foram para vendas diretas.
A diferença de preço não é tão grande assim. O Renault Kardian manual chega na versão Evolution por R$ 106.990, o que são exatos R$ 9.000 a menos do que a mesma configuração com transmissão automatizada de dupla embreagem. Os equipamentos são os mesmos, perdendo apenas os paddle shifts atrás do volante.
Bem disposto
Quando o Kardian chegou, mostrou ter uma receita de sucesso e que é o melhor carro que a Renault produziu no Brasil em anos. Todo o trabalho bem feito já estava ali, bastava adicionar o câmbio manual de seis marchas e o resultado seria bom. Foi o que aconteceu.
O motor 1.0 turbo de três cilindros, que estreou justamente com o SUV compacto, entrega um bom desempenho. São 125 cv a 5.000 rpm e 22,4 kgfm a 2.250 rpm quando abastecido com etanol. Com gasolina, gera 120 cv a 5.000 rpm e 20,4 kgfm a 2.000 rpm. Como 90% do torque é entrega 1.750 rpm, não falta força, mesmo utilizando o modo Eco.
No lugar da transmissão automatizada de dupla embreagem e seis marchas, entra a caixa manual, também de seis posições. A Renault fez questão de enfatizar que este câmbio não é o mesmo do finado Sandero RS, desmentindo uma informação que havia sido confirmada pelo presidente da marca na Argentina.
Batizada como JX22, é produzida em Portugal pela Horse (divisão de motores da Renault). Para deixar o carro mais ágil na cidade, a relação foi encurtada na primeira, segunda e terceira marcha, enquanto a quinta é bem longa e a sexta funciona como overdrive, reduzindo o consumo.
A Renault divulga uma aceleração de 0 a 100 km/h em 11 segundos com etanol e 11,4 s com gasolina. Em comparação, a versão com câmbio automatizado registrou 10,9 s no teste realizado por QUATRO RODAS. O consumo oficial pelo Inmetro é de 12,3 km/l na cidade e 14,0 km/l na estrada com gasolina, caindo para 8,4 km/l e 9,7 km/l com etanol, respectivamente.
São bons números, mas como eles se traduzem no mundo real? O test-drive de aproximadamente 100 km foi praticamente apenas na estrada e o computador de bordo marcava mais de 15 km/l no consumo na maior parte do trajeto. Com o torque aparecendo cedo, é possível fazer as trocas por volta de 2.000 rpm sem perder a força.
A transmissão pode não ser a do Sandero RS, no entanto até lembra um pouco o hatch esportivo. A alavanca tem um curso curto e engates precisos, além do pedal de embreagem ser bem calibrado, deixando o carro bem gostoso de guiar. Felizmente, a relação das três primeiras marchas não é tão curta a ponto de pedir por trocas constantes como era com o RS.
O pequeno trecho urbano no trajeto contava com algumas lombadas como o único obstáculo e comportou-se bem, sendo firme o suficiente para evitar batidas secas, mas também não sendo mole a ponto de deixar a carroceria inclinar demais.
Quase completo
O melhor argumento do Kardian manual se comparado com outros modelos com o mesmo tipo de transmissão é o fato de vir muito bem equipado para uma versão de entrada. Tem seis airbags, faróis e lanternas em led, painel de instrumentos digital de 7”, central multimídia de 8” com Android Auto e Apple CarPlay sem fio, controle de cruzeiro, sensor de estacionamento traseiro, câmera de ré, ar-condicionado automático digital, retrovisores com ajuste elétrico, sistema start-stop, vidros elétricos com função one-touch para o motorista e volante multifuncional com ajuste de altura e profundidade.
Alguns itens poderiam ser melhores. O painel de instrumentos, embora tenha boa leitura de modo geral, poderia ter mais informações. Um exemplo é o conta-giros, mostrado por uma pequena barra horizontal crescente posicionado acima de pequenos traços que deveriam indicar as rotações por minutos. Porém, somente os 7.000 e 8.000 rpm estão claros, os demais não tem números e não há traços o suficiente para indicar de 1 a 6.
A multimídia de 8” é um tanto simples, de baixa resolução e que parece menor do por conta do enorme acabamento em volta. A Renault insiste em colocar uma alavanca extra na coluna de direção para controlar o sistema de som ao invés de aproveitar melhor os comandos integrados ao volante. Tudo isso, porém, é comum a todas as versões do Kardian.
Vale o que custa?
À primeira vista, R$ 106.990 não parece ser o preço correto para um carro manual neste segmento, mesmo com motor turbo. Mas basta olhar para a concorrência para ver que não está fora da realidade e que é até competitivo, considerando que é o único com motor turbo e traz mais equipamentos.
É mais barato do que o Fiat Pulse 1.3 Drive, vendido por R$ 107.990 e com mais equipamentos, por ter dois airbags a mais e painel de instrumentos digital. E muito mais barato do que seu irmão Duster, que custa R$ 130.990 e, embora seja bem maior, tem motor 1.6 e é menos equipado. O Suzuki Jimny Sierra sai por R$ 162.990, porém é um carro de nicho e com tração 4×4.
Ficha técnica – Renault Kardian
- Preço: R$ 106.990
- Motor: flex, dianteiro, transversal, 3 cilindros, 12V, 999 cm³, 120/125 cv a 5.750 rpm (etanol), 20,4/22,4 kgfm entre 2.000 e 4.000 rpm Câmbio: manual, 6 m.,tração dianteira
- Direção: elétrica
- Suspensão: ind. McPherson (diant.), eixo de torção (tras.)Freios: disco ventilado (diant.), tambor (tras.)
- Pneus: 205/55 R17
- Dimensões: comprimento, 411,9 cm; largura, 202,5 cm; altura, 159,5 cm; entre-eixos, 260,4 cm; porta-malas, 358 l; vão livre, 21 cm