Creta contra Corolla Cross: os defensores dos motores 2.0 se enfrentam
Em outros tempos, Creta e Corolla Cross talvez nunca se cruzassem no nosso mercado. Mas hoje eles estão lado a lado e disputando compradores
Hoje em dia nosso mercado vive um momento caótico, com preços relativos tão distorcidos que fica até difícil estabelecer diferenças entre segmentos. E quem sai de casa para comprar pensando de forma cartesiana pode perder boas oportunidades sem sequer se dar conta.
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Eis aqui, neste comparativo, um exemplo. Enquanto o Hyundai Creta Ultimate 2.0 com tudo que tem direito custa R$ 160.690, o Toyota Corolla Cross XRE, mais completo entre os com motor 2.0 aspirado (ainda existem os 1.8 híbridos) custa R$ 170.250 agora, na linha 2023, após aumento de R$ 9.500 e o IPI reduzido.
Se o conflito estava alinhado em preços, uma tempestade perfeita, agora o Toyota tem itens que faziam falta e que são de série no Hyundai.
Estes dois SUVs estão em uma faixa de preço onde o sarrafo está tão alto que não basta mais ter um bom motor, espaço, equipamentos inovadores para mostrar ao cunhado, faróis de led e bancos de couro.
Quem não tem equipamentos de segurança avançados, como alerta de colisão, frenagem autônoma de emergência, assistente de permanência em faixa e piloto automático adaptativo, passa vergonha.
O Corolla Cross estava nessa até agora, quando a Toyota conseguiu vencer a crise dos semicondutores que obrigou a restringir o pacote “Safety Sense” (no Creta, se chama Smartsense).
Por quase um ano equipou apenas a topo de linha híbrida XRX, que já custa R$ 200.160. Agora são equipamentos de série em todas as versões do japonês nascido em Sorocaba (SP) e o quadro de instrumentos digital só fica de fora da versão básica XR (R$ 158.790).
Você deve ter reparado que tanto o Creta quanto o Corolla Cross têm motores 2.0 naturalmente aspirados, algo quase acintoso quando a grande maioria dos seus respectivos rivais estão usando pequenos motores turbo em nome da eficiência.
E não há nada de errado nisso: o Creta 2.0 é mais rápido e econômico que suas versões 1.0 turbo e o Corolla Cross 2.0 já provou ser mais econômico e rápido no 0 a 100 km/h que os rivais Jeep Compass 1.3T e VW Taos 1.4T (confira na pág. 40), ainda imbatíveis nas retomadas. Eles desconstroem aquela ideia de que o turbo é o futuro e a solução dos motores a combustão.
Os motores 2.0 só precisavam de um pouco de atenção. O Creta 2.0 tinha bom desempenho na geração passada, mas não era eficiente e, sendo bem sincero, o câmbio automático parecia lutar contra o carro.
Isso teve fim com uma série de mudanças em componentes internos e nos mapas da injeção e da atuação do duplo comando de válvulas variável. Isso foi suficiente para rebatizar o motor 2.0 Nu como “Smartstream”, ainda que só tenha ganhado 1 cv, passando aos 167 cv com álcool.
O câmbio automático de seis marchas também ganhou uma nova programação e agora é possível esquecer que ele existe, por mais que seja tentador usar as borboletas para trocas sequenciais.
A mecânica até pode se adaptar ao gosto do motorista por meio dos quatro modos de condução, do preguiçoso modo Eco ao impetuoso modo Sport, que deixa a direção pesada e o quadro de instrumentos digital com fundo vermelho.
É difícil cravar isso, mas é possível que o Toyota Corolla Cross tenha um dos melhores motores aspirados da atualidade. Além de duplo comando de válvulas variável, traz dois sistemas de injeção: a indireta, convencional, e a direta, que otimiza o desempenho e aumenta o torque, mas não é a ideal para todos os cenários e regimes. É trabalhando essas variáveis que ele consegue entregar até 177 cv a elevados 6.600 rpm.
Una a ele o câmbio CVT com dez marchas, sendo a primeira delas física, com engrenagens como em um câmbio automático convencional.
Foi uma solução engenhosa para eliminar a demora para arrancar com um carro CVT (especialmente em ladeiras), mas sem abrir mão da eficiência deste tipo de transmissão em velocidades mais altas e de cruzeiro.
Uma diferença importante no Corolla Cross é que mesmo no modo Eco ele parece ter muito mais disposição que o Creta no modo Sport. Dá a impressão de que tem força disponível a todo momento, sem precisar atrasar as respostas do acelerador ou criar resistência para reduzir marcha, como faz o Hyundai. Se selecionar o modo Power, melhor ainda.
Parece que não há situações em que seja necessário usar as borboletas sequenciais e quem insistir vai se atrapalhar em tantas marchas simuladas até conseguir sentir alguma diferença.
São meros detalhes que disfarçam algo improvável: os dois SUVs têm rigorosamente o mesmo desempenho, com diferenças nas frações de segundo. O Corolla parece ser mais rápido no mundo real, mas, em nossa pista, ambos chegaram aos 100 km/h após 10,5 s com os pés cravados no acelerador.
Enquanto o Creta é mais capaz nas frenagens, o Corolla Cross mostra pequena vantagem nas retomadas e consegue percorrer 500 m a mais com cada litro de gasolina, na cidade, fazendo 12 km/l. No consumo rodoviário, empate técnico: 15,3 km/l no Hyundai e 15,4 km/l no Toyota.
Talentos opostos
O Hyundai Creta agrada a quem prefere um acerto de suspensão mais firme, que deixa sentir o asfalto, mas não condena o conforto. A carroceria não rola nas curvas, mas talvez esse acerto não combine com a direção desmultiplicada e com o volante com diâmetro sensivelmente menor. Você precisa girar mais o volante para o carro reagir.
Já o Toyota Corolla Cross assinou e registrou em cartório um compromisso com o conforto. Sem comprometer a dinâmica, consegue filtrar quase tudo que se passa no asfalto.
O problema é que o motorista também passa a sentir todo o molejo dos componentes da suspensão e a grande oscilação vertical. A direção mais direta do Corolla combina melhor com a dinâmica do Creta.
O Hyundai Creta é bem menor que o SUV do Corolla. São 4,30 m no comprimento contra 4,46 m, e 1,79 m de largura contra 1,82 m no Toyota que, porém, não soube aproveitar essa vantagem.
O Corolla Cross concentra essa vantagem nos balanços dianteiro e traseiro, porque seu entre-eixos fica nos 2,64 m (1 cm a menos que em um VW T-Cross, por exemplo), enquanto o Hyundai Creta se defende com 2,61 m.
Mas o que faz toda a diferença na prática é como cada carro aproveita o espaço interno. Repare na tabela de ergonomia na página ao lado: a cabine do Creta tem praticamente a mesma largura que a do Corolla, que só traz uma grande vantagem no espaço para a cabeça por seus assentos serem baixos.
Quem oferece mais espaço para as pernas no banco traseiro é o Hyundai Creta, com 4 cm de vantagem, mesmo com entre-eixos 3 cm menor.
A cabine ainda ajuda a entender melhor o posicionamento de cada carro. O Corolla Cross é pouco inspirado: tudo é preto, sem grandes arrojos e até um pouco desinteressado em fazer algo mais interessante e que transmita mais qualidade. Tudo bem que todas as portas dele têm plásticos macios ao toque, como a faixa central do painel, mas foi um esforço em vão.
O Hyundai Creta Ultimate só tem plásticos rígidos na cabine, alternando-se entre tons de marrom, bege e o piano black do console central. Sim, os nichos beges no painel são de plástico com textura que imita tecido e costuras falsas (o que é absolutamente dispensável), e o reflexo deles no para-brisa causa incômodo.
Todo esse exagero, porém, quando combinado aos bancos bicolores com a seção central perfurada e a profusão de detalhes que imitam aço escovado criam um ambiente delicado e atraente. O Creta aparenta ser um carro especial.
A lista de equipamentos do Hyundai ainda dá uma aula ao Toyota. Enquanto o Corolla Cross tem freio de estacionamento no pedal, como velhas picapes, o Creta vem com freio de estacionamento eletrônico com auto-hold.
A central multimídia do sul-coreano de Piracicaba (SP), além de ser maior (10,25” contra 8”), tem altíssima resolução e é rápida, enquanto a do Corolla Cross lembra os tempos do VHS.
E é provável que os compradores do Corolla Cross gostassem de ter, pelo menos como opcional, um teto solar, item de série neste Creta Ultimate – que ainda tem câmeras de visão 360o, com direito a exibição das imagens das laterais no quadro de instrumentos ao dar seta e banco do motorista ventilado.
O Toyota Corolla Cross XRE é um carro óbvio, até previsível. O Hyundai Creta Ultimate, porém, não nos surpreendeu apenas pelo visual excêntrico: ele tem grandes qualidades, é mais espaçoso, mais equipado e ainda custa R$ 11.000 a menos. Por isso, o Creta vence este comparativo.
Testes feitos por QUATRO RODAS
Creta | Corolla Cross | |
Aceleração | ||
0 a 100 km/h | 10,55 s | 10,5 s |
0 a 1.000 m | 31,74 s – 166,1 km/h | 31,76 s – 167,9 km/h |
Velocidade máxima | 190 km/h * | 195 km/h * |
Retomadas | ||
D 40 a 80 km/h | 4,54 s | 4,39 s |
D 60 a 100 km/h | 6,10 s | 5,5 s |
D 80 a 120 km/h | 7,23 s | 6,98 s |
Frenagens | ||
60/80/120 km/h a 0 | 13/28/60 m | 14,8/26,6/61,8 m |
Consumo | ||
Urbano | 11,5 km/l | 12 km/l |
Rodoviário | 15,3 km/l | 15,4 km/l |
Ruído interno | ||
Neutro/RPM máx. | 41,6/65,5 dBA | 40,5/64,8 dBA |
80/120 km/h | 65,2/71,5 dBA | 61,8/68,9 dBA |
Aferição | ||
Velocidade real a 100 km/h | 96 km/h | 95 km/h |
Rotação do motor a 100 km/h em 5a marcha |
2.250 rpm | 1.500 rpm |
Volante | 3 voltas | 2,7 voltas |
Seu Bolso | ||
Preço básico | R$ 162.690 | R$ 173.690 |
Concessionárias | 224 | 216 |
Garantia | 5 anos | 5 anos |
Revisões até 60.000 km | R$ 4.214 | R$ 5.077 |
Condições de teste: alt. 660 m; temp., 35/27 °C; umid. relat., 44/47%; press., 1.012/1.014 mmHg
Ficha técnica – Hyundai Creta Ultimate 2.0
Motor: flex, diant., transv., 4 cil., 16V, aspirado, comando de válvulas variável na admissão e no escape, injeção indireta, 1.999 cm³, 167/157 cv a 6.200 rpm, 20,6/19,2 kgfm a 4.700 rpm
Câmbio: automático, 6 marchas, tração dianteira
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (diant.) e eixo de torção (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.) e disco sólido (tras.)
Pneus: 215/55 R18
Peso: 1.300 kg
Dimensões: comprimento, 430 cm; largura, 179 cm; altura, 163,5 cm; entre-eixos, 261 cm; porta-malas, 422 l; tanque de combustível, 50 l
Ficha técnica – Toyota Corolla Cross XRE 2.0
Motor: flex, diant., transv., 4 cil., 16V, aspirado, comando de válvulas variável na admissão e no escape, injeção indireta e direta, 1.987 cm³, 177/169 cv a 6.600 rpm, 21,4 kgfm a 4.400 rpm
Câmbio: CVT com simulação de 9 marchas e 1a fixa, tração dianteira
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (diant.) e eixo de torção (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.) e disco sólido (tras.)
Pneus: 225/50 R18
Peso: 1.420 kg
Dimensões: comprimento, 446 cm; largura, 182,5 cm; altura, 162 cm; entre-eixos, 264 cm; porta-malas, 440 l; tanque de combustível, 47 l
Veredicto Quatro Rodas
O Toyota Corolla Cross precisa rever algumas questões para conseguir se afirmar como SUV médio. O Hyundai Creta agrada mais e anda igual custando muito menos.