* Reportagem originalmente publicada em maio de 2015
Com o motor do C4 Lounge em temperatura de trabalho, nosso consultor técnico e responsável pelos desmontes, Fabio Fukuda, inicia os primeiros exames.
Tudo certo com pressão de óleo e combustível e também com a pressão de compressão dos cilindros: do primeiro ao quarto, na ordem, estavam com 200, 210, 206,66 e, de novo, 206,66 psi – números obtidos da média de três medições.
Todos acima do mínimo estabelecido pela Citroën (190 psi) e com variação muito aquém dos 72,55 psi estabelecidos como diferença máxima tolerável.
Com a retirada do cabeçote, chamou atenção o acúmulo de carvão nas válvulas do cilindro 1. “As dos demais cilindros estavam com nível de sujidade compatível com a quilometragem”, diz Fukuda.
Como nenhuma irregularidade foi detectada na análise dos retentores de válvulas nem na medição de folga de entrepontas dos anéis de compressão dos pistões, nosso consultor concluiu: “Com retentores e anéis em ordem, a contaminação das válvulas de um único cilindro pode ser atribuída a um funcionamento irregular do bico injetor de combustível. Tudo indica que, por algum tempo, o injetor do cilindro 1 travou aberto, enviando combustível em excesso, o que levou à formação de mais carvão nas válvulas”.
Aqui, vale lembrar: na revisão dos 20 000 km, a concessionária Saint Honoré trocou, em garantia, um jogo completo de bicos.
Devorador de freio
Se a questão do motor não preocupa tanto – afinal, a rede detectou e sanou o problema –, a desmontagem dos freios indicou falhas graves.
Apesar de substituídos aos 30.000 km (voltaremos a falar disso um pouco mais adiante), discos e pastilhas chegaram aos 60.000 km com medidas muito abaixo daquelas que a Citroën aponta como mínimas toleradas.
“A parte metálica de uma das pastilhas chegou a usinar uma das faces do disco. Nela, praticamente não havia mais material de atrito”, diz Fukuda.
Falha da concessionária Ok Paris, que, ao realizar a quinta revisão, não inspecionou os freios – ou, se o fez, errou ao não nos avisar da proximidade do fim da vida útil dos componentes.
O resultado é que, ao longo de 60.000 km, nosso estradeiro Citroën devorou dois conjuntos de disco e pastilhas dianteiros, deixando uma lição para outros donos de C4, sobretudo para aqueles que rodam na cidade, onde o consumo de freio é maior: ao deixar o carro na revisão, é preciso pedir ao técnico especial atenção ao sistema, pelo menos a cada 20.000 km.
Pastilhas e discos novos custam R$ 401 e R$ 707, respectivamente. A troca sai por R$ 190.
Água a bordo
Com componentes trocados ao longo dos 60.000 km, suspensão e alimentação terminam o teste aprovados, mas com ressalvas.
Na mesma condição fica a carroceria, que deixou entrar água na região próxima do motorista, em um dia de chuva forte. “O problema estava na vedação do assoalho com a caixa de ar lateral”, anotou Fukuda em seu relatório final.
Mas o técnico fez questão de ressaltar: “As guarnições de borracha de portas e porta-malas deixaram poeira e água do lado de fora”.
Este que vos escreve também pede licença para elogiar a carroceria: “Fiz uma viagem entre Brasília e São Paulo quase toda sob chuva e nem sinal de entrada de água. Creio que o problema só ocorreu por uma infeliz coincidência da posição do carro com o ângulo e intensidade da água. De qualquer maneira, é claro que não deveria ter ocorrido”.
Por causa da baixa durabilidade, o freio é destaque entre os sistemas reprovados. Faz companhia para ele o par de rolamentos dos cubos de roda traseiros.
“Como havia uma anotação no diário de bordo informando sobre ruído de rodagem, aproveitei a viagem-teste que faço antes de cada desmonte para confirmar a reclamação. De fato, o barulho vinha dos rolamentos”, diz Fukuda.
Diante de nossas vias tão malconservadas, não é de espantar a falência dos componentes, mas a ausência de casos similares no histórico de desmontes prova que a indústria já é capaz de produzir rolamentos capazes de resistir mais do que os 60.000 km do nosso teste.
Sustentabilidade
Por outro lado, coxins de sustentação do motor e do câmbio do C4 – itens que em outros carros desmontados não raramente fadigam antes dos 60 000 km – se revelaram íntegros.
Sem deixar qualquer registro de falha de funcionamento na central eletrônica, o câmbio automático não foi desmontado. Ainda assim, foi analisado.
“Sempre verifico o óleo da transmissão com atenção redobrada. Problemas de funcionamento dos componentes internos quase sempre geram partículas metálicas ou sinterizadas, mas, neste caso, o lubrificante estava como novo”, diz Fukuda.
Ainda que algumas reclamações de solavancos tenham sido anotadas no diário de bordo, em especial na segunda metade do teste, a transmissão do Lounge, com seis marchas, se mostrou bem menos problemática do que a do C4 Pallas, com quatro.
Em janeiro de 2014, quando o C4 Lounge foi incorporado à frota de Longa Duração, dissemos que, ao fim da jornada, teríamos a oportunidade de aferir a capacidade de evolução da marca, uma vez que o modelo se apresentava como substituto natural do C4 Pallas, integrante da frota desmontado em 2009.
Rede furada
Como visto, a rede ainda não dá motivos para a marca comemorar. Melhorou ao eliminar de vez o péssimo hábito de tentar empurrar nos clientes serviços desnecessários, mas, assim como com o Pallas, agiu em desacordo com o plano de manutenção estabelecido pela fábrica. E as consequências vieram.
Na quarta revisão, a autorizada Louvre deixou de trocar o filtro de combustível e, na quinta parada, a Ok Paris alegou ter trocado as duas bandejas da suspensão dianteira, mas, na vistoria que realizamos sempre que um carro de Longa sai da manutenção, descobrimos que apenas a do lado direito era nova.
Porém, nenhuma revisão foi tão polêmica quanto a terceira. Ao deixarmos o C4 na TGV, pedimos uma verificação especial dos freios, pois o editor Ulisses Cavalcante havia notado, quase aos 30.000 km, uma aspereza típica de fim de pastilha.
Na TGV, o repórter visual Eduardo Campilongo afirma ter visto saltar na tela do computador, após a técnica digitar a placa de nosso carro, um aviso de que o veículo estava em teste pela revista QUATRO RODAS.
Tanto a assessoria de imprensa da TGV como a Citroën negaram a existência do alerta. Aqui, vale lembrar a importância da marcação das peças assim que um novo modelo é incorporado à frota.
Na oficina Fukuda Motorcenter, os principais componentes, partes e peças de cada novo automóvel recebem uma marcação indelével, o que nos permite detectar peças trocadas sem autorização prévia.
Ou seja, ao cobrir de cortesias um carro de QUATRO RODAS, em vez de agradar, o máximo que uma concessionária pode conseguir é demonstrar falta de confiança em seu próprio produto.
Estranhamente, nosso carro saiu da TGV com buchas de bandeja e discos e pastilhas de freio novos, tudo trocado em garantia e sem custo.
Uma fonte ligada à Citroën conta: “Depois desse episódio, publicado na edição de setembro de 2014, a rede reportou à marca diversos casos de clientes que, com a reportagem em mãos, se negavam a pagar por discos e pastilhas em seus C4. Não teve jeito: a fábrica bancou a troca em garantia”.
Confortável e bom companheiro de viagem, o C4 sempre justificou o sobrenome Lounge com sua cabine aconchegante e espaçosa.
E também recebeu elogios dos 27 motoristas que se revezaram ao seu volante pela vastidão e facilidade de acesso ao porta-malas de 450 litros e bom pacote de equipamentos.
Apesar das ressalvas, o produto se aposenta aprovado. A rede, porém, por pouco (e de novo) não pôs tudo a perder.
Vídeo do desmonte do C4 Lounge:
APROVADAS
Componentes do bloco e coxins terminaram o teste em ótimo estado.
Pistões, bielas e anéis
As bronzinas se mostraram isentas de sinais de déficit de lubrificação. O acúmulo de carvão nos pistões era compatível com a quilometragem. Os anéis de compressão estavam com folga de entrepontas dentro do especificado como máximo pela Citroën.
Coxins
Não raramente, o desmonte revela coxins desgastados, com a borracha rompida ou ressecada. No caso do Lounge, as três peças chegaram aos 60 000 km em estado de novas.
Corpo de borboleta
O ótimo estado do corpo de borboleta é prova de que o sistema de recirculação de gases e o filtro de ar deram conta de deixar os contaminantes longe do motor.
Virabrequim
Também chamado de árvore de manivelas, o virabrequim chegou ao desmonte incólume. Os cinco munhões e os quatro moentes estavam dentro dos limites determinados pela Citroën, da mesma forma que a folga axial da peça.
ATENÇÃO
Se você também tem um C4, fique atento à suspensão e aos bicos injetores.
Carroceria
Sinais de umidade e acúmulo de sujeira entre o assoalho e a caixa de ar esquerda indicam o ponto de entrada de água. Mas é preciso destacar: as guarnições de borracha das portas cumpriram seu papel.
Suspensão
Entre reapertos e trocas de componentes, nosso C4 passou por ao menos três ações da rede ao longo dos 60 000 km. Buchas de bandeja foram condenadas duas vezes.
Bicos e válvulas
Travado, o bico do primeiro cilindro levou à troca precoce (em garantia) do conjunto, aos 20 000 km. Ao despejar mais combustível do que deveria, ele levou a um severo acúmulo na válvula de admissão do primeiro cilindro.
REPROVADAS
Freios desgastam muito rápido. Eles e os rolamentos não aguentaram 60.000 km.
Discos e pastilhas de freio
O C4 demonstrou ter um apetite voraz por discos e pastilhas de freio dianteiros. Mesmo com rodagem rodoviária superior a 60%, ambiente no qual o consumo de freio é menor, o modelo exigiu duas trocas do conjunto ao longo de 60 000 km.
Para piorar, trata-se de uma manutenção cara: R$ 1 298, com peças e mão de obra.
Rolamento
Quase no fim do teste, os usuários passaram a reportar ruídos de rodagem. No desmonte, a identificação dos responsáveis: os rolamentos das rodas traseiras.
Veredicto
O Pallas nasceu para brigar com Civic e Corolla. Não conseguiu. O tempo passou e a Citroën lançou o C4 Lounge. Mas, quando ele chegou, o segmento estava inundado de rivais.
Um deles, o Cruze, já esteve no Longa Duração e saiu de cena muito mais bem-avaliado.
Mas é preciso lembrar: a rede, continua sendo o grande problema da Citroën. Deixou de sugerir serviços desnecessários, mas abandonou também os essenciais para a saúde do carro
Principais ocorrências
- 5.508 km: Parafuso solto abaixo do assento do banco traseiro
- 7 289 km: Fixador central da capa do para-choque traseiro solto
- 9 019 km: Freio sem assistência logo após a partida do motor
- 9 378 km: Banco do motorista com folga longitudinal e ruído
- 9 504 km: Retrovisor direito rangendo ao ser rebatido
- 11 034 km: Alavanca de regulagem de altura do banco do motorista travada
- 11 079 km: Disparo involuntário do alarme do cinto do motorista
- 12 220 km: Cânister solto ao passar em poça d’água
- 15 289 km: Painel ruidoso e retrovisor esquerdo rangendo ao ser rebatido
- 15 318 km: Sidebag direito e vidro do motorista ruidosos
- 16 629 km: Banco do motorista com rangido entre couro e plástico
- 20 008 km: Troca de bicos e velas de ignição
- 26 722 km: Vibração durante as frenagens
- 30 017 km: Troca de discos, pastilhas e buchas de bandeja
- 53 923 km: Sensor de chuva falhando
- 59 888 km: Ruído de rolamento
Folha Corrida
Preço de compra: | R$ 73.780 (janeiro 2014) |
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Quilometragem total: | 60.290 km |
Quilometragem urbana: | 21.890 km (36,3%) |
Quilometragem rodoviária: | 38.400 km (63,7%) |
Combustível em litros de etanol: | 9.233,7 litros |
Custo de combustível: | R$ 19.216,89 |
Consumo médio: | 6,5 km/l (etanol) |
REVISÕES | |
10.000 km: | R$ 400 (Lyon) |
20.000 km: | R$ 684 (Saint Honoré) |
30.000 km: | R$ 624 (TGV) |
40.000 km: | R$ 755 (Louvre) |
50.000 km: | R$ 756 (Ok Paris) |
PEÇAS EXTRAS ÀS REVISÕES | |
Alinhamento, balançeamento e rodízio: | R$ 814 |
Reparo de roda: | R$ 260 |
5 pneus: | R$ 2.720 |
CUSTO POR 1.000 KM RODADOS: | R$ 435,08 |
Testes – C4 Lounge
1.000 km | 60.063 km | diferença % | |
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ACELERAÇÃO | |||
de 0 a 100 km/h: | 11,5 s | 11,3 s | – 1,74% |
de 0 a 1000 m: | 33 s / 159,1 km/h | 32,8 / 160,2 km/h | – 0,61% / + 0,69% |
RETOMADAS | |||
40 a 80 km/h (D) | 5,2 s | 5 s | – 3,85% |
60 a 100 km/h (D) | 6,4 s | 6,2 s | – 3,13% |
80 a 120 km/h (D) | 8,5 s | 8 s | – 5,88% |
FRENAGENS | |||
60 / 80 / 120 km/h a 0: | 15,5 / 26,8 / 64,5 m | 15,9 / 27,4 / 65,1 m | + 2,58% / + 2,24% / + 0,93% |
CONSMO | |||
Urbano: | 6,3 km/l | 6 km/l | – 4,76% |
Rodoviário: | 9,1 km/l | 9,1 km/l | 0% |
RUÍDO INTERNO | |||
Ponto morto / RPM máximo: | 39,9 / 74,7 dBA | 39,7 / 73,3 dBA | – 0,5% / – 1,87% |
80 / 120 km/h: | 63,2 / 68,4 dBA | 63,4 / 69,8 dBA | + 0,32% / +2,05% |
Ficha Técnica
Motor: | flex, dianteiro transversal, 4 cil., 1.998 cm³, 16V, 85 x 88 mm, 10,8:1, 151/143 cv a 6.250 rpm, 21,7/20,2 mkgf a 4.000 rpm |
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Câmbio: | automático, 6 marchas, tração dianteira |
Direção: | eletro-hidráulica, 11,1 m (diâmetro de giro) |
Suspensão: | independente, McPherson (diant.), eixo de torção (tras.) |
Freios: | disco vent. (diant.), disco sólido (tras.) |
Pneus: | 225/45 R17 |
Peso: | 1.398 kg |
Peso/potência: | 9,3/9,8 kg/cv |
Peso/torque: | 64,4/69,2 kg/mkgf |
Dimensões: | comprimento, 462 cm; largura, 179 cm; altura, 150 cm; entre-eixos, 271 cm; porta-malas, 450 l; tanque de combustível, 60 l |
Equipamentos de série: | ar-condicionado digital bizona, direção eletro-hidráulica, computador de bordo, rodas de liga leve aro 17, controle de estabilidade e tração, retrovisores externos com rebatimento elétrico. |