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Exclusivo: dirigimos a Ford Ranger de R$ 1 milhão que venceu o Sertões

O carro campeão do Sertões 2019 não teve moleza na prova. E nem depois dela: um dia após a vitória, a gente estava saltando com ele nas dunas do Ceará

Por Péricles Malheiros
Atualizado em 8 out 2019, 09h02 - Publicado em 8 out 2019, 07h00
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    Power Ranger! Ninguém segura o carro campeão do Sertões 2019 (Eduardo Carvalho/Divulgação)

    O Rally dos Sertões 2019 nem tinha começado e a gente já havia acertado com a organização para, ao final da prova, no dia 1º de setembro, pilotar com exclusividade o carro campeão. Na chegada da tropa ao destino final, em Aquiraz (CE), lá estava eu, sob um sol de rachar, curtindo o clima amistoso entre os 302 participantes, divididos em 22 categorias.

    O veículo mais festejado, claro, foi a Ranger X-Rally da Equipe MEM Motorsport, da dupla formada pelo piloto Lucas Moraes e navegador Kaique Bentivoglio. Chegava ali, o rei dos reis, o vencedor da geral – o carro que eu ia dirigir no dia seguinte!

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    Chassi veio da África do Sul, motor dos Estados Unidos e amortecedores da Austrália (Eduardo Carvalho/Divulgação)

    Apesar do feito de ganhar o Sertões – um dos maiores e mais desafiadores do mundo – e de ser um carro de corrida de corpo e alma, lá estava ele estacionado paralelo à calçada, como um veículo comum.

    Na saída do hotel, o susto: “Pula para o banco do piloto. Assim você vê como ele se comporta no asfalto no caminho até as dunas”, disse Flávio Pacheco, chefe da equipe MEM.

    Já fiz matérias semelhantes com outros carros de competição, como Fórmula Chevrolet, Stock Car e de provas de Endurance. Em nenhuma delas, fui liberado tão rápido da teoria à prática. Mas respeitei o voto de confiança, atei o cinto de competição Sparco e assumi o volante.

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    Em vez de caçamba, radiadores e um tanque com 380 litros de gasolina de aviação (Haroldo Nogueira/Divulgação)

    Chave geral liberada, pé na embreagem, start… O V8 5.0 acorda. Mas, por conta do dimensionamento do escape, o ronco da marcha lenta nem é tão grosso. Gatilho do câmbio acionado, primeira marcha engatada e outra boa surpresa: a embreagem até que é leve – e perfeitamente modulável. Tanto que tirei o carro da vaga na primeira tentativa.

    Elogiei o sistema para Hernandes da Silva Góis, mecânico-chefe da MEM incumbido de ser meu copiloto. “Ela é muito mais suave e progressiva quando nova”, disse.

    No Sertões, Lucas e Kaique espantaram o azar de ter um pneu furado numa das especiais e assumiram a ponta na penúltima etapa, se valendo dos problemas de Cristian Baumgart e Beco Andreotti. Por ironia, a Ranger X-Rally vencedora foi adquirida de Marcos Baumgart, irmão de Cristian, que em 2019 correu com uma versão evoluída da Ranger X-Rally, com suspensão traseira independente. Mas voltemos ao meu passeio.

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    Porão, abaixo do piso, dá acesso ao câmbio e leva dois estepes, um de cada lado (Haroldo Nogueira/Divulgação)
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    Entrei na areia fofa sabendo da diferença de condução em relação ao asfalto. Na verdade, achei que sabia. Negligenciei o ângulo correto de transposição de um morrete e… Atolei! Foi bom pra aprender a respeitar a areia, que mais parece um talco fino. A partir de então, liguei meu modo de aprendizagem no nível máximo e fui, de novo, entendendo o carro aos pouco.

    Apesar do sistema 4×4, dos pneus off-road e da suspensão com duplo amortecimento, o desafio é justamente jogar do jeito certo a força do motor Ford Coyote V8 para as rodas: se acelera demais, elas cavam a própria cova e o carro atola, se pisa de menos, você fica para trás na prova.

    “Em condição de aderência ultrabaixa, como aqui, o melhor a fazer é acelerar o tempo todo. E, para ganhar velocidade, subir marcha sempre que possível. Parar por completo é o pior que se pode fazer”, disse meu copiloto. Acatei o ensinamento e aí, sim, comecei a me divertir nas dunas.

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    Alavanca cinza é o câmbio. A vermelha atua no freio traseiro, para dar cavalo de pau (Haroldo Nogueira/Divulgação)

    O carro impressiona menos pela velocidade – cujo pico nas dunas foi de 100 km/h – e mais pela capacidade de andar forte sobre um terreno tão instável. Também chama a atenção o arsenal de soluções que carrega para sobreviver à competição – conheça os principais itens na página 40.

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    Para quem está acostumado com impecáveis carros novos, é difícil acreditar que um modelo com partes de fibra faltando, tomada de ar solta do teto e para-brisa quebrado tenha tanta tecnologia a bordo e custe, quando novo, cerca de R$ 950.000.

    Chassi e bolha vêm da África do Sul, motor e câmbio dos Estados Unidos e amortecedores da Austrália. Flávio Pacheco conta um dos segredos da equipe campeã: “Para não perder tempo esperando por sua equipe de apoio, piloto e navegador realizam muitos reparos. Então, além de confiabilidade e robustez, tudo precisa ser o mais simples possível”.

    Mesmo sendo um carro de competição, ele passa longe de ser um monstro inguiável. Pelo contrário: você entra nele e sai dirigindo. Simples assim – como ele próprio, aliás.

    RAIO X – Em detalhes, todos os cuidados e soluções carregados pelo carro campeão do Sertões 2019:

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    GASOLINA DE AVIÃO – A enorme tomada no teto direciona o fluxo de ar para os radiadores. Eles são montados na traseira para diminuir o risco de obstrução das colmeias por lama e folhas. Entre os radiadores e a cabine, fica o tanque com 380 litros de gasolina de aviação, chamada de Avgas (Haroldo Nogueira/Divulgação)

     

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    JOGANDO BAIXO – O porão, como é chamado o vão livre abaixo do assoalho, facilita a visualização e o acesso ao câmbio e carrega os dois estepes. Guardados no porão, eles ajudam a baixar o centro de gravidade do carro (Haroldo Nogueira/Divulgação)
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    TRABALHO EM DUPLA – Nas constantes vezes em que os carros de rali saltam a ponto de tirar as quatro rodas do chão, são os amortecedores duplos que absorvem a energia da aterrissagem de maneira instantânea e sem efeito rebote, dando ao piloto a condição de manter o pé cravado no acelerador (Haroldo Nogueira/Divulgação)

     

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    ESCUDO PROTETOR – Este não é um simples protetor de cárter, como o dos carros de rua. A permanência de um carro de rali na competição passa por ele. Feito de um aço especial, precisa ser forte e leve e proteger contra a entrada de detritos e deixar o ar fluir para arrefecer os sistemas. E o ângulo de montagem não pode interferir na capacidade de transposição de obstáculos (Haroldo Nogueira/Divulgação)

     

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    PODE COMPLETAR – Uma tampa removível na lateral dá acesso ao filtro de combustível e a três garrafinhas vermelhas, cada uma com um tipo diferente de lubrificante para reposição. (Haroldo Nogueira/Divulgação)

     

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    CENTRAL DE ATENDIMENTO – Comandado por uma ECU (unidade eletrônica de controle) de competição, o motorzão Ford V8 5.0 tem cerca de 480 cv. Os números oficiais não podem ser revelados (Haroldo Nogueira/Divulgação)

     

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    QUALIDADE DO AR – O snorkel eleva o ponto de captação de ar ambiente para o motor, permitindo a travessia de trechos alagados teoricamente de até 1,96 cm, que é a altura
    da picape. O filtro de ar fica na cabine, à frente do copiloto, o que facilita a manutenção (Haroldo Nogueira/Divulgação)
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    Ficha técnica

    Preço: R$ 950.000 (estimado, novo)

    Motor: Avgas, diant., long., V8 5.0, aproximadamente 480 cv, torque não divulgado

    Câmbio: manual, sequencial, 6 marchas, tração nas quatro rodas, embreagem cerâmica

    Suspensão: duplo A (diant.)/eixo de torção (tras.)

    Freios: disco vent. (diant./tras.)

    Pneus: 245/80 R16

    Dimensões: comprimento, 485 cm; largura, 196 cm; altura, n/d; entre-eixos, 296 cm; altura livre do solo, n/d; peso, 1.960 kg; tanque, 380 l

    Dialeto próprio

    O rali tem termos técnicos e, digamos, gírias que nem todo mundo entende. Veja os mais falados e o que significam

    ESPECIAL – trechos cronometrados disputados em alta velocidade
    DESLOCAMENTO – trechos de baixa velocidade entre as especiais
    SENTINEL – sistema eletrônico que avisa ao piloto da aproximação de outro. Usado em locais com visibilidade reduzida para quem vem atrás, como trechos poeirentos
    ZONA DE RADAR – aplicada em trechos com alta concentração de pessoas, como vilarejos e vias públicas
    LOMBA – lombada
    CURECA – unidade de medida de risco, representada por pontos de exclamação nas planilhas de navegação. Exemplo: duas lombas, 100, 2 curecas – ou em 100 metros há duas lombadas, risco médio
    FORFETE – uma dupla vai forfetear quando não finalizar uma etapa dentro do limite de tempo máximo estabelecido pela organização da prova

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