O cérebro humano é extremamente talentoso para encontrar semelhanças.
São estímulos aleatórios combinados com experiências anteriores que fazem com que vejamos rostos na superfície de Marte, nuvens com formato de hambúrguer e o Baby Sauro no painel do Nissan March.
Este fenômeno psicológico chamado pareidolia é um sinal da nossa evolução: era assim que nossos antepassados aprendiam a identificar seus semelhantes e seus predadores.
É o seu cérebro tentando encontrar significado lógico para algo que não entende. Se você vê semelhanças entre a nova geração do Porsche 911 e as anteriores ou algum Volkswagen, não se preocupe.
Não é pareidolia: fizeram isso de propósito. O 911 Carrera S é uma mistura de elementos clássicos e tecnologias inéditas e chega ao Brasil em maio por cerca de R$ 680.000.
O capô avançado em relação aos para-lamas e os vincos à frente do para-brisa remete ao primeiro 911.
Já o para-choque, com tomadas de ar mais volumosas e que agora têm função aerodinâmica (são ativas, fecham-se para priorizar a eficiência) estão ali para estreitar a relação visual entre o 911 e os novos Macan, Cayenne e Panamera.
Mais ou menos por esse motivo, há um filete de leds interligando as estreitas lanternas traseiras. Foi um elemento clássico dos 911 vendidos entre 1973 e 1998, já resgatado antes por outros modelos da Porsche.
Nem o interior escapou desta onda de retrô. O painel segue a mesma linha-base usada até 20 anos atrás, com linhas horizontais que cortam sua parte superior e abraçam o clássico quadro de instrumentos com conta-giros no meio.
Ele é o único mostrador analógico: o que há ao seu lado são duas telas de 7 polegadas capazes de reproduzir os outros quatro mostradores, mapa ou informações do computador de bordo. Mas o volante com 36 cm de diâmetro impede que o motorista veja as extremidades das telas.
Alguns detalhes, porém, são inéditos. Este é o primeiro 911 com aletas verticais para a tomada de ar sobre o motor – um elemento clássico do saudoso Fusca – e o primeiro Carrera S com rodas de tamanhos diferentes entre os eixos (aro 20 na frente e 21 atrás).
As duas aletas centrais também são luzes de freio, mas, como elas não ficam visíveis quando o aerofólio móvel está armado, há uma outra luz de freio sob ele.
O aerofólio móvel também representa o esforço da Porsche para melhorar a aerodinâmica do 911. Com área 45% maior, ele se estende aos 90 km/h para uma posição intermediária que melhora a eficiência.
Ao passar dos 150 km/h, abre-se totalmente para a posição Performance em busca de maior aderência para as rodas traseiras.
A asa não funciona como freio aerodinâmico, mas pode se levantar acima dos 60 km/h para aumentar o fluxo de ar que passa pelo motor, reduzindo a perda de desempenho por causa do calor – os intercoolers agora estão centralizados sob a tomada de ar.
Velhas novidades
O motor seis cilindros boxer (com pistões deitados, lembrando punhos de boxeadores) de 3 litros havia ganhado um par de turbos em 2016.
Agora a Porsche escalou turbos maiores (o rotor aumentou de 48 para 55 mm), simétricos e espelhados entre si, e com válvula de alívio (wastegate) elétrica – como o VW Up! TSI tem desde seu lançamento, em 2015. A pressão máxima gerada por eles é de 1,2 bar.
O comando de valvulas variável passou por upgrade. O chamado VarioCam Plus é capaz de mudar o tempo de abertura das válvulas, o levante das válvulas e até permite que as válvulas de admissão levantem de forma assimétrica.
Se antes o levante era limitado em 3,6 mm, agora uma pode levantar 2 mm e outra 4,5 mm. Isso otimiza o consumo e deixa o motor mais suave em baixas rotações, e melhora a admissão quando se exige mais do motor.
Por fim, o sistema de injeção direta passa a ter injetores do tipo piezo elétrico, mais rápidos que os tradicionais por solenoide. A vantagem está em poder pulverizar a gasolina até cinco vezes a cada ciclo, otimizando a queima e o consumo.
Isso ainda permitiu que a pressão da injeção fosse reduzida de 250 para 200 bar.
Com todos estes esforços, o seis cilindros ganhou 30 cv, chegando aos 450 cv a 6.500 rpm (o corte de giro é a 7.500 rpm) e aos 54 mkgf (3 mkgf a mais) entre 2.300 e 5.000 rpm.
O responsável por domar tudo isso é o novo câmbio PDK (automatizado de dupla embreagem) de oito marchas em substituição ao antigo, de sete. As duas últimas marchas estão ali unicamente para economizar combustível.
A Porsche confidencia que esta transmissão já está preparada para ser conectada a um sistema híbrido, mas garante que isso não é para o 911. Bem, pelo menos não nesta geração. Por ora, se gaba pela velocidade e por ter seu funcionamento otimizado em função do GPS.
Ilusionista profissional
Nosso primeiro contato com o novo 911 é no Autódromo Ricardo Tormo, nos arredores de Valência (Espanha), conhecido por receber a MotoGP e testes da F1.
Apesar dos seus 4 km de extensão, é exigente e rápido o suficiente para testar tanto as habilidades do 911 como as minhas.
Este Carrera S, com tração traseira, não tem opcionais supérfluos, como o som Burmester ou o teto solar. Mas tem as rodas traseiras direcionais (que faz parte do Sport Chrono Package, presente em praticamente todos os 911) e os discos de freio carbocerâmicos. Parece perfeito.
Levo a alavanca de câmbio – agora do tipo joystick – até Drive e parto para a volta de reconhecimento. No modo de condução Normal, o 911 passeia inabalável entre as chicanes. Até responde a uma pressão mais forte no acelerador, mas o câmbio retorna às mais elevadas para economizar combustível tão rápido quanto as reduziu.
Chega. Ativo o modo Sport Plus no seletor giratório na base do volante em busca de um 911 mais comunicativo. Agora os novos amortecedores adaptativos, que agora se adaptam em tempo real e não apenas em modos predefinidos, assumem o modo de melhor desempenho. Os coxins adaptativos passam a transmitir mais vibração do motor de propósito. O ronco fica mais encorpado, mas eu poderia ter ativado as aletas do escape por um comando na central multimídia.
As voltas se sucedem e a evolução do 911 fica mais clara. A direção 11% mais direta até tentou ajudar, mas ficou mais difícil encontrar o limite do Carrera S. O carro faz de tudo para parecer neutro, mas é um 911: você ainda percebe a dianteira leve na entrada das curvas. Em compensação, em nenhum momento a traseira ameaça escapar inadvertidamente, como a geração passada eventualmente insinuava.
O 911 nunca esteve tão controlável como agora. Quando escorrega, parece ser de propósito para deixar a condução mais divertida e volta à trajetória de maneira robótica imediatamente. Culpa do bom controle de estabilidade, que permaneceu ligado por ordem da Porsche.
A Porsche levou os controles eletrônicos a um patamar tão notável que criou um modo de condução só para asfalto molhado ou neve. Com microfones instalados nas caixas de roda, o carro “escuta” o spray de água e sugere a ativação do Wet Mode. Ele muda a atuação do controle de tração, do aerofólio ativo, do sistema de vetorização do torque e do acelerador.
A intenção não é transformar o motorista no Senna do GP do Brasil de 93, mas sim dar mais controle ao carro. Enquanto o aerofólio busca mais pressão aerodinâmica para a traseira, os controles eletrônicos assumem padrões mais conservadores. Tanto que o 911 passa a sair de frente, como um carro normal, ao ser provocado no asfalto molhado.
Você pode dizer que toda essa eletrônica ilude o motorista que não está familiarizado com o 911. Por outro lado, ela também ajuda a fazer do esportivo mais importante da Porsche um carro mais amistoso e reforça seu perfil de carro para o dia-a-dia.
O mesmo carro que brilhou no circuito devorou as estradas sinuosas da serra ao redor do autódromo. Mas cruzou vilarejos sem acordar ninguém ou temer as ondulações do asfalto.
Desta vez a Porsche fez muito mais do que manter a linha de perfil básica do 911. Trouxe do passado elementos de design marcantes e alcançou um nível de dirigibilidade nunca antes visto. Parece um 911 e realmente o é.
Ficha técnica – Porsche 911 Carrera S (992)
Preço: R$ 680.000 (estimado)
Motor: gasolina, traseiro, longitudinal, 6 cilindros, 2.981 cm³; 24V, biturbo, 450 cv a 6.500 rpm, 54 mkgf entre 2.300 e 5.000 rpm
Câmbio: automatizado, dupla embreagem, 8 marchas, tração traseira
Suspensão: McPherson (diant.), multilink (tras.)
Freios: disco vent. (diant. e tras.)
Direção: elétrica; esterçamento das rodas traseiras
Pneus: 245/35 R20 (diant.), 305/30 R21 (tras.)
Dimensões: compr., 451,9 cm; largura, 185,2 cm; altura, 130 cm; entre-eixos, 245 cm; peso, 1.515 kg; porta-malas, 132 l; tanque, 64 l