Espremido entre Mobi e Argo, o Uno não vive mais com a mesma tranquilidade de 30 anos atrás, quando era o único compacto da Fiat no Brasil e não tinha mais do que quatro concorrentes das marcas rivais. Mas, se hoje o segmento dos compactos 1.0 é tão grande, foi porque o Uno abriu as portas do mercado.
O IPI (como é mais conhecido o Imposto sobre Produtos Industrializados) chegou a ser usado há poucos anos como meio de bombar as vendas de carros, principalmente os baratos. Mas até 1990 o imposto desestimulava a fabricação de carros com motores menores e mais eficientes.
Isso porque àquela altura carros com motores entre 800 e 1.000 cm³ eram taxados em 40%, enquanto aqueles entre 1.000 e 1.500 cm³ pagavam 35% de IPI. Só nos primeiros dias de agosto de 1990 é que carros com motores menores tiveram a alíquota de IPI ajustada para 20%.
Foi um movimento fundamental para o nascimento dos populares 1.0. Eles dariam fôlego para a indústria nacional, que ocuparia sua capacidade ociosa e também poderia lidar com a “ameaça” da recente reabertura das importações de veículos.
A Fiat teve sorte. O Uno havia sido lançado no Brasil exatamente seis anos antes, em agosto de 1984, com o motor 1.050 cm³ do 147 e o 1.3 de 57 cv. Só a opção maior fez sucesso no Brasil, onde se tornou a única a partir de 1985. Mas o motor menor continuou equipando unidades exportadas para Argentina e Itália.
Bastaria enquadrar o motor na nova alíquota de IPI. A troca do virabrequim diminuiu o curso dos pistões de 57,8 para 54,8 mm, fazendo com que o deslocamento total ficasse nos 994,4 cm³. Mas foi com os novos carburador e comando de válvulas (projetado para garantir torque em rotações mais baixas) que chegou-se aos 48,5 cv e 7,4 kgfm. Comparado aos 52 cv e 7,8 kgfm do motor 1.050, o rendimento era bom.
O nome não poderia ser mais adequado: Uno Mille (mil, em italiano). Por fora era como qualquer outro Uno S 1.3. Tinha a primazia de ter barra estabilizadora dianteira e um braço tensor mais robusto que só chegariam às outras versões em 1991. Mas, por outro lado, era um carro pelado como não se via desde os anos 1960.
Só no Mille o câmbio manual tinha quatro marchas. O de cinco era opcional, assim como o retrovisor direito, bancos dianteiros reclináveis e com encosto de cabeça (ambos ainda não eram obrigatórios) e lavador e desembaçador traseiro.
O servofreio também seria opcional, mas a Fiat voltou atrás. Ainda assim, os Mille não tinham saídas de ar laterais e o lavador do para-brisa era acionado por uma bombinha de borracha no pé do motorista como no Fusca – que saíra de linha quatro anos antes. O único luxo era o veludo na parte central dos bancos.
O Mille chegou às lojas em setembro de 1990 como o carro mais barato do Brasil. Os 625.000 cruzeiros pedidos pelo carro básico equivaleriam hoje a R$ 53.390 (IGP-M/FGV). Por acaso, o Uno Drive 1.0 2020 testado, com todos os opcionais, custa praticamente o mesmo: R$ 53.570.
Hoje um Uno parte dos R$ 44.990 na versão Attractive, já com ar-condicionado, direção hidráulica e motor 1.0 Fire de 75 cv. A Drive tem motor Firefly de 77 cv, mais moderno, e ainda recebeu dois opcionais. O pacote Comfort Plus (R$ 2.990) inclui vidros elétricos traseiros, faróis de neblina, apoio de braço dianteiro, repetidoras de seta nos retrovisores, controles de estabilidade e tração, assistente de partida em rampa, banco do motorista com ajuste de altura e monitor de pressão dos pneus. Alarme, rádio com Bluetooth, volante multifunção e computador de bordo com tela de TFT estão no kit Live On Plus, de R$ 2.590.
Não se via esses opcionais em carros de luxo de 1990, mas é isso que o consumidor espera (e exige) de um carro de entrada nos dias atuais. O padrão do segmento subiu bastante junto com os preços. Basta ver que o carro mais barato do Brasil hoje, o Renault Kwid Life, é quase tão simples quanto o primeiro Mille e custa R$ 34.990 – muito menos que um Uno.
E olha que o “novo” Uno já deixou de ser novo. A segunda geração acabou de completar 10 anos e passou por duas leves atualizações visuais. Características da primeira geração seguem vivas, porém. A suspensão é macia e robusta (ainda que com eixo de torção em vez do conjunto McPherson com molas semielípticas na traseira), e o baixo consumo de combustível segue como destaque.
Futuro do pretérito
No passado, quem trocava o Uno S 1.3 pelo Mille 1.0 só sentia falta dos 9 cv perdidos em subidas e retomadas. Um Uno de hoje – assim como boa parte dos 1.0 modernos – não deixa que o motorista passe raiva em condições tão adversas para os antigos. Na verdade, passaram a servir muito bem para o dia a dia e deixaram de ser tão ruins na estrada.
O segredo está nos motores mais modernos. Do primeiro Mille até hoje, injeção eletrônica, acelerador eletrônico e variador de fase (ou mesmo comando de válvulas variável) se tornaram padrão e várias normas de emissões entraram em vigor. Mas o que realmente fez a diferença foram as novas gerações de motores 1.0 de três cilindros, mais leves, com atrito entre os componentes internos reduzido, maior precisão na fabricação e com boa melhora na entrega de torque e potência. Tudo isso junto faz uma grande diferença.
No primeiro teste do Uno Mille, o modesto motor 1.0 carburado a gasolina conseguiu médias de 12,3 km/l na cidade e 15,3 km/l na estrada (confira o teste completo na página ao lado) com o câmbio de cinco marchas. Foi suficiente para superar o Gol CL e se tornar o carro mais econômico da época. Mas o 0 a 100 km/h em 17,3 s estava longe de ser algo que merecia destaque.
Os 212 kg a mais do Uno Drive não prejudicaram seu consumo. Cravou 13,7 km/l no regime urbano e 16,9 km/l no rodoviário. São ótimos números, mas não tão bons quanto os 15 km/l e 17,9 km/l, respectivamente, de um Hyundai HB20 1.0. O zero a 100 km/h em 15,6 s também revelam alguma evolução.
Para os saudosos do acelerador por cabo, o eletrônico que aciona o 1.0 6V Firefly tem respostas tão rápidas quanto e não é lento como o do 1.0 8V Fire que resiste até hoje na versão de entrada. Isso devolveu ao Uno a boa sensação de agilidade que ajudou a manter a primeira geração em produção até o ano de 2013.
O que ainda não foi possível deixar no passado é o câmbio com relações curtinhas para fazer o carro embalar rápido, mas que acaba comprometendo o conforto na estrada. E, muito embora os engates tenham melhorado muito, o longo curso da alavanca entre as marchas acompanha o Uno do seu lançamento até hoje.
Isolamento acústico e acabamento também evoluíram. O primeiro Mille nem sequer tinha manta por dentro do cofre do motor e hoje mal se escuta o motor em ponto morto. Não há partes da lataria à mostra no porta-malas ou na cabine.
Tudo bem que o espaço interno não é amplo como no passado, mas a capacidade do porta-malas avançou dos 224 para 280 litros mesmo quando o estepe saiu do nicho ao lado do motor para o assoalho do compartimento de carga.
O que nem a QUATRO RODAS de 30 anos atrás conseguiria prever era que aquele Uno iria muito além de atender a um público carente por carros mais baratos. Foi o pontapé inicial para um segmento que dez anos depois, em 2000, . Hoje, 30 anos depois, deixaram de ser malvistos.
Abaixo, alguns carros que seguiram o caminho do Uno para fazer os 1.0 serem o que são hoje.
Teste – Fiat Uno Drive 1.0
Aceleração
0 a 100 km/h: 15,6 s
0 a 1.000 m:
36,8 s – 137,8 km/h
Velocidade máxima
157 km/h*
Retomada
3ª 40 a 80 km/h: 9,7 s
4ª 60 a 100 km/h: 13,1 s
5ª 80 a 120 km/h: 27,6 s
Frenagens
60/80/120 km/h – 0 m: 16,3/29,3/69,4 m
Consumo
Urbano: 13,7 km/l
Rodoviário: 16,9 km/l
Ficha técnica – Uno Drive 1.0
Preço: R$ 53.570
Motor: flex, diant., transv., 3 cil., 6V, aspirado, 999 cm³; 77/72 cv a 6.250 rpm, 10,9/10,4 kgfm a 3.250 rpm
Câmbio: manual, 5 marchas, tração dianteira
Suspensão: McPherson (dianteiro) / eixo de torção (traseiro)
Freios: disco ventilado (dianteiro) / tambor (traseiro)
Direção: elétrica, 9,8 (diam. giro)
Rodas e pneus: aço, 175/65 R14
Dimensões: compr., 382 cm; larg., 163,6 cm; alt., 148 cm; entre-eixos, 237,6 cm; peso, 1.010 kg; tanque, 48 l; porta-malas, 280 l
Teste – Fiat Uno Mille 1990
Aceleração
0 a 100 km/h: 17,3 s
0 a 1.000 m:
38,3 s – 129,9 km/h/
Velocidade máxima
139,4 km/h
Retomada
3ª 40 a 80 km/h: n/d
4ª 60 a 100 km/h: n/d
5ª 80 a 120 km/h: n/d
Frenagens
60/80/120 km/h – 0 m: 17,5/31,2/70,1 m
Consumo
Urbano: 12,3 km/l
Rodoviário: 15,3 km/l
Ficha técnica – Uno Mille
Preço: Cr$ 625.000 – R$ 53.390 (IGP-M) Motor: gas., diant., transv., 4 cil., 8V, 994,4 cm³; 48,5 cv a 5.700 rpm, 7,4 kgfm a 3.000 rpm
Câmbio: manual, 5 m., tração diant.
Suspensão: McPherson (diant.) e McPhersson com com molas em feixe transversal (tras.)
Freios: disco sólido (diant.)/ tambor (tras.)
Direção: mecânica, 12,1 (diam. giro)
Rodas e pneus: aço, 145/45 R13
Dimensões: compr., 364,4 cm; larg., 154,8 cm; alt., 144,5 cm; entre-eixos, 236,1 cm; peso, 798 kg; tanque, 48 l; porta-malas, 224 l
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