Eletrificação, mobilidade urbana, interesse dos acionistas… Há uma série de fatores que vêm obrigando marcas tradicionais a mudarem seus planos, focando em diferentes tipos de clientes. Assim, marcas premium querem aumentar seus volumes, enquanto generalistas buscam ganhar rentabilidade por unidade vendida.
Esses movimentos acabam por aproximar linhas que em outros cenários não se cruzariam. É o caso de Volvo e Renault, neste comparativo de SUVs elétricos.
No caso da Volvo, notou-se que há um grupo grande de consumidores que gosta da marca, mas não tem como pagar pelo XC40 (ou o EX40, seu futuro sucessor). Daí, veio a ideia de se criar um SUV compacto mais barato, que aproveitasse a tecnologia chinesa da Geely (dona da Volvo) e o prestígio sueco. O sucesso veio com o EX30 caminhando para dobrar as vendas da Volvo, no Brasil e no mundo, em 2024.
A Renault, por sua vez, toca um processo de renovação de seu portfólio, com carros mais caros e que, apesar de venderem volumes menores, dão mais lucro. O Kardian é um exemplo mais conhecido desse plano no Brasil, já que o Megane E-Tech não está vendendo bem por aqui e, desde junho, é oferecido com R$ 80.000 de desconto, por R$ 199.990.
Mas o preço de tabela está de volta e, em sua única versão, o Renault Megane E-Tech sai por R$ 279.990, enquanto Volvo EX30, alinhado aqui, na versão topo de linha, custa R$ 293.950.
O EX30 tem motor e tração traseiros, com 272 cv e 35 kgfm, indo de 0 a 100 km/h em 5,9 s. O Megane é equipado com motor e tração dianteiros, com 220 cv e 30,6 kgfm, e acelera até os 100 km/h em 7,3 s.
Por mais que seja o Renault quem apela para a esportividade na estética, é o Volvo quem dispara na arrancada. Mas é o Megane, com 438 km de alcance, que vai mais longe com uma única carga, num consumo 26% melhor. O EX30 até bateu 400 km redondos em nosso teste, mas vale frisar que sua bateria é 15% maior e seu teste tenha ocorrido sob temperatura bem mais amena, que deveria favorecê-lo um pouco.
Em termos de dimensões, ambos têm porte de SUV compacto, mas aproveitando a mecânica enxuta dos EVs, com balanços curtos, para que tenham entre-eixos de utilitários médios. O resultado deveria ser mais espaço interno, mas quem vai atrás tem o aperto de um SUV menor da mesma forma. A diferença é que o Renault tem porta-malas de 440 litros – mais que os 318 litros do EX30.
Com motores elétricos e seus sistemas cada vez mais genéricos e abstratos ao público, os números frios costumam importar mais do que seria num duelo de veículos a combustão. Ao mesmo tempo, itens como a central multimídia vão além do entretenimento: ela passa a ser a única forma de interagir com funções cruciais do carro.
O Volvo EX30 é um exemplo extremo disso, e não há velocímetro, sequer opcional, atrás do volante. Velocidade, marcha e outros dados são exibidos no display de 12,3”, que unifica outros comandos na tela por questão de custos e foi alvo de críticas desde seu anúncio. Eu lidei bem com o arranjo do painel quando, em outubro de 2023, conheci o EX30. A repórter Isadora Carvalho, por outro lado, torceu o nariz ao dirigi-lo no Brasil.
Esforço mental
Verdade seja dita, antes de reencontrar o EX30 no Brasil, não dava para imaginar que essa seria uma experiência única.
Para se abrir o porta-luvas do carro, por exemplo, só apertando o ícone respectivo no display. Mas isso não incomoda tanto quanto o ajuste dos retrovisores, que, além do clique na tela, pedia a escolha do lado desejado para aí, sim, apertar o botão OK no volante e usar seus botões direcionais para o ajuste (mais impreciso do que um ajuste comum).
Por vezes, a ré era engatada antes de uma baliza e, ao se tentar mexer no retrovisor, era impossível, pois a câmera traseira se abria na tela e bloqueava qualquer outro comando. Até se resolver a questão, quem estava atrás buzinava bastante.
Como a percepção de segurança que a Volvo passa é um verdadeiro trunfo de vendas, a tecnologia também funciona nesse sentido: há sistemas que previnem, automaticamente, batidas ao se manobrar o carro, ao atravessar um cruzamento etc. Mas o Megane também tem tudo isso.
Só o EX30, entretanto, tem um sensor atrás do volante que usa câmeras especiais para vigiar o olhar do motorista: ele me sugeriu, corretamente, um café após bocejos seguidos numa viagem de madrugada. Mas, erroneamente, me pediu que mantivesse o olhar à frente, quando eu, rodando no trânsito de São Paulo (SP), precisava conferir a todo tempo a passagem de motocicletas, por exemplo, pelos retrovisores. O pior é que o aviso vinha na própria tela, então era preciso ignorar a sugestão do carro para ficar ciente dela.
A sorte é que a plataforma do EX30 permite que tudo isso seja resolvido através de atualizações via internet, pois talvez esse seja o carro à venda no Brasil que mais exija esforço mental para ser operado. Estou acostumado com todos os tipos de gadgets, mas me cansei de ter que prestar atenção e interagir com tantas intervenções confusas.
Enquanto isso, foi no Megane E-Tech que esse tipo de aviso inteligente foi dado com elegância. Numa noite chuvosa, enquanto eu abria a porta, a aproximação de uma moto ativou um alerta: a tira de leds da porta começou a piscar e um sinal sonoro foi disparado de modo que, mesmo nunca tendo-me sido apresentado a eles, eu interpretei tudo com naturalidade.
Do lixo ao luxo
Outro ponto em que a Volvo manteve o alto nível é na escolha dos revestimentos do EX30, com um equilíbrio apurado entre contenção de custos e percepção de qualidade. Os painéis de plástico são feitos de materiais reciclados, mas sem fazer concessões à qualidade. São fibras reaproveitadas de objetos como portas, esquadrias de janelas e toalhas de plástico que iriam para o lixo e que, além de economia, endossam a narrativa da sustentabilidade.
Mas o Megane, mais barato, vem com a mistura de suede e couro que não é consagrada à toa. Só o francês também conta com comandos elétricos individuais para todos os vidros na porta esquerda, ajustes dedicados aos retrovisores e… quadro de instrumentos.
Com a confusão tecnológica à parte, o EX30 tem um comportamento que reforça a ruptura com um automóvel a combustão: pedais são sensíveis que realçam o arranque poderoso do SUV ao menor toque, ainda que tenham precisão adequada para não causar sustos. A direção adaptativa, mesmo no modo mais duro, ainda é leve e o ruído interno, muito bem abafado, não é completado por ruídos artificiais. Há todo um cenário futurista, que, após o estranhamento inicial, mostra que esse é um conceito promissor do que um carro de dia a dia tende a ser no médio prazo.
Mas o dinheiro sai do bolso no ato da compra, e seria injusto avaliar o EX30 com base no que ele pode vir a ser um dia. Enquanto isso, o Megane aposta em mudanças mais sutis e, sobretuto, não se esquece da diversão ao volante que sempre esperamos.
Os projetistas da Renault chegaram a um ajuste de suspensão que interage bem com as baterias, que jogam o centro de gravidade para perto do chão. O resultado é a sensação de que há aerofólios gerando pressão que prende o carro ao solo e dá confiança para curvas em alta. O Megane, cuja posição de dirigir é mais baixa, carece, porém, de ajuste elétrico no banco do motorista para uma experiência mais completa.
Com mais autonomia, menor preço e atributos agradáveis, o francês seria ameaçado se o Volvo EX30 fizesse jus às melhorias que prometera fazer via tecnologia. No momento, elas ainda atrapalham mais do que ajudam, e a vitória foi do Megane com boa vantagem.
Veredicto Quatro Rodas
Desde a apresentação da linha EX, a Volvo prometeu um novo relacionamento entre condutor e carro, à base da tecnologia. Enquanto isso não vinga, o Megane oferece eletrificação funcional e divertida.
Ficha técnica – Renault Megane E-Tech
Motor: elétrico, dianteiro, transv., 220 cv, 30,6 kgfm
Câmbio: 1 m., tração dianteira
Direção: elétrica, 10,4 m (diam. de giro)
Suspensão: McPherson (diant.), multilink (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.), disco sólido (tras.)
Peso: 1.680 kg
Bateria (líquida): 60 kWh
Autonomia: 438 km
Recarga (10-80%): 30 min, a 130 kW (DC)
Dimensões: compr., 420 cm; larg., 176,8 cm; alt., 151,9; entre-eixos, 268,5 cm; porta-malas, 440 l
Ficha técnica – Volvo EX30 Ultra
Motor: elétrico, traseiro, transv., 272 cv, 35 kgfm
Câmbio: 1 m., tração traseira
Direção: elétrica, 10,6 m (diam. de giro)
Suspensão: McPherson (diant.), multilink (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.), disco sólido (tras.)
Peso: 1.850 kg
Bateria (líquida): 64 kWh
Autonomia: 400 km
Recarga (10-80%): 25 min, a 150 kW (DC)
Dimensões: compr., 423,3 cm; larg., 183,6 cm; alt., 155,5; entre-eixos, 265 cm; porta-malas, 318 l
Teste Comparativo
Aceleração | Renault Megane | Volvo EX30 |
0 a 100 km/h | 7,3 s | 5,9 s |
0 a 1.000 m | 28,8 s – 162,2 km/h | 26,6 – 182,2 km/h |
Velocidade máxima* | 185 km/h | 185 km/h |
Retomadas | ||
D 40 a 80 km/h | 2,8 s | 2,3 s |
D 60 a 100 km/h | 3,3 s | 2,9 s |
D 80 a 120 km/h | 4,2 s | 3,9 s |
Frenagens | ||
60/80/120 km/h a 0 | 13,2/24,7/58,3 m | 13,2/23,2/52,9 m |
Consumo | ||
Urbano | 7,3 km/kWh | 5,8 km/kWh |
Rodoviário | 7,0 km/kWh | 4,9 km/kWh |
Ruído interno | ||
Neutro/RPM máx. | 36,9/– dBA | L.O/– dBA |
80/120 km/h | 57,9/65,3 dBA | 62,1/65,5 dBA |
Aferição | ||
Velocidade real a 100 km/h | 98 km/h | 98 km/h |
Rotação do motor a 100 km/h em D | – | – |
Volante | 2 voltas | 2,5 voltas |
SEU Bolso | ||
Preço básico | R$279.990 (R$ 199.990 em promoção) | R$293.950 |
Concessionárias | 295 | 39 |
Garantia | 3 anos | 3 anos |