Longa Duração: o desmonte da Chevrolet S10, passou raspando
A S10 se despede da frota aprovada, mas com (sérias) ressalvas. Retentores de óleo e suspensão foram os grandes vilões
Quanto maior a promessa, maior é a expectativa. E quanto menos ela é atendida, maior a decepção. Esse é um breve resumo da passagem da S10 pelo Longa Duração.
Virtudes? Claro que ela demonstrou, mas foi por pouco que a balança pendeu mais para as boas qualidades. E foi isso que salvou a S10 de uma reprovação. Esperávamos mais robustez da picape Chevrolet.
A S10 LTZ 2.5 flex cabine dupla 4×4 com câmbio manual de seis marchas entrou para a frota em janeiro de 2015.
Pagamos por ela R$ 89.335 – atualmente o modelo atualizado, com câmbio automático, custa R$ 134.090 – e, apesar do preço alto, desembolsamos outros R$ 2.070 na compra de tapetes com presilhas de fixação, além de protetor e capota para caçamba – itens que, pelo preço da picape, deveriam ser de série.
Mas o tempo logo mostrou que a decisão foi acertada, com uma utilização mais tranquila da caçamba: o protetor resistente permite arrastar cargas pesadas e a capota nunca deixou a água da chuva passar para dentro. Ponto para a linha de acessórios originais homologados pela fábrica.
Quanto ao serviço da rede autorizada, a tentativa de cobrar um valor de revisão mais alto que o sugerido pela GM e a não substituição de itens previstos no plano de manutenção foram os deslizes mais graves, embora o desempenho geral no atendimento da S10 tenha sido um pouco melhor do que o visto na época dos ex-Longa Onix e Cruze.
Durante os 60.000 km, submetemos a S10 a poucas utilizações mais radicais – exatamente como boa parte de donos de picape faz na vida real.
Na edição de abril de 2015, nossa S10 passou por uma rodada dupla de teste de performance e consumo, primeiro vazia e depois carregada.
Respeitamos, claro, a carga máxima declarada pelo fabricante, 771 kg – hoje, o site da GM informa 766 kg. Mas talvez esse teste, apesar de realizado dentro dos limites da fábrica, tenha ocasionado um problema grave, detectado somente no desmonte.
Reprovação direta
Ao desmembrar o sistema de transmissão, nosso consultor técnico, Fabio Fukuda, encontrou os quatro parafusos da forquilha que sustenta a cruzeta do eixo cardã traseiro seriamente avariados.
A ruptura completa dos parafusos poderia levar à queda do eixo cardã, com consequente perda de tração nas rodas traseiras.
“Esses parafusos foram danificados em algum momento em que a suspensão traseira sofreu compressão excessiva, permitindo que a zona de conexão do cardã trabalhasse em um ângulo aberto a ponto de os parafusos atingirem as paredes da carcaça”, diz Fukuda.
Com o andamento do desmonte, nosso consultor técnico encontrou uma outra prova de que a suspensão traseira não suportou os 60.000 km como deveria: “O batente da suspensão estava danificado, o que reforça a tese de que ela foi comprimida até o seu curso máximo, danificando o suporte da cruzeta”, diz Fukuda.
Parafusos quase decapitados e batentes danificados versus a nossa certeza de ter utilizado a picape sempre da maneira correta só deixam duas possibilidades: ou o peso suportado divulgado pela fábrica está alto demais ou a suspensão se movimentou (na compressão) mais do que deveria.
Outro problema grave foi encontrado no motor, especificamente no cabeçote: os retentores de válvulas não cumpriram seu papel e o lubrificante acabou invadindo a câmara de combustão dos quatro cilindros.
Conforme o desmonte avançava, surgiam novas provas da falência dos retentores. A cabeça dos pistões e os pés das válvulas de admissão estavam com severo acúmulo de material carbonizado brilhante, típico de óleo queimado.
A medição da folga de entrepontas dos anéis de compressão dos pistões era o que faltava para a condenação definitiva dos retentores.
Todos estavam dentro dos limites estabelecidos pela GM. Mesmo assim, os números de pressão de compressão estavam baixos – média geral de 124,98 psi, ante 253,8 psi do valor nominal de referência – o mínimo tolerado é 100 psi.
Ou seja, com os anéis cumprindo o seu papel, a pressão escapava entre as sedes e as válvulas, áreas danificadas justamente por partes de carvão desprendidas dos pés das válvulas.
A falência dos retentores e os parafusos da transmissão danificados por pouco não levaram à reprovação da picape. “As falhas foram poucas, mas muito graves e em pontos que picapeiros mais exigem confiabilidade: motor e suspensão. Mas também é verdade que a nossa S10 nunca deixou ninguém na mão e o diário de bordo tem poucos apontamentos negativos”, diz Fukuda.
O consultor ainda ressalta que mesmo os demais componentes do motor e transmissão encerraram os 60.000 km atendendo com sobra às especificações da GM.
As boas surpresas
Os coxins trabalharam exemplarmente. Tanto os de suporte do powertrain (conjunto de motor e câmbio) como os que fazem a ligação da cabine e da caçamba ao chassi foram encontrados sem sinais de ressecamento ou folgas.
Outro ponto elogiável foi o sistema de alimentação, em especial o corpo de borboleta (ou TBI) encontrado com baixo nível de sujidade, em especial no caso de um veículo com 60.000 km. Ponto para o sistema de filtragem de ar do motor.
Engrenagens, luvas de engate e garfos do câmbio estavam em excelente estado, assim como a embreagem e os diferenciais dianteiro e traseiro.
Não fossem os danos em função do funcionamento irregular da suspensão, o conjunto de transmissão teria sido aprovado com louvor. O mesmo vale para o motor: à exceção dos retentores, todo o restante estava folgadamente dentro das especificações.
Os freios foram encontrados com discos com boa espessura, mas eles estavam empenados. “As frenagens já estavam gerando trepidação no pedal”, diz Fukuda, que sempre encara um roteiro pré-desmonte com os carros de Longa Duração justamente para detectar os pontos que demandam maior atenção.
No assoalho da carroceria foi encontrado um ponto de infiltração de água, junto a um tampão. Conectores firmes, isentos de oxidação levaram a uma fácil aprovação do sistema elétrico.
Bem diferente da S10 como um todo, que se despede do Longa Duração aprovada, mas com pontos delicados a evoluir no modelo atual.
São problemas que podem ter atingido só a nossa unidade e não se manifestarem nas S10 de maneira geral? Sim, como também é verdade que a nossa S10 poderia ter sido comprada por você.
APROVADAS
Negócio arriscado
Com tanto carvão formado a partir da falência dos retentores de válvulas, ficou o receio de que algum pedaço riscasse a parede dos cilindros. Felizmente, nenhum sinal foi encontrado.
Vira-vira
O sistema de lubrificação se revelou eficiente: comandos de válvulas e o virabrequim estavam intactos e com todas as medidas dentro dos limites estabelecidos pela Chevrolet.
Na frente, tudo bem
Buchas das bandejas e da barra estabilizadora e amortecedores íntegros: suspensão dianteira aprovada.
Boa pegada
A embreagem mostrou o nível de robustez e durabilidade que se espera de uma picape. O disco chegou ao fim da jornada ainda com boa espessura do material de atrito.
Corpo são
Com baixo nível de sujidade, o corpo de borboleta do motor 2.5 garantiu um funcionamento sem falhas à picape.
Conectividade
Os coxins, inclusive os de ligação da cabine e da caçamba ao chassi, estavam em ótimo estado.
Atenção
Caixinha de surpresa
No desmonte, a caixa de direção apresentou uma pequena folga entre o pinhão e a cremalheira. Na prática, a caixa só se mostrava um tanto ruidoso no uso em ruas de paralelepípedos.
Óleo de câmbio
A inspeção visual já havia revelado um pequeno vazamento de óleo na transmissão. No desmonte, o culpado: o retentor do eixo que envia o movimento do câmbio para a caixa de transferência.
Más vibrações
O único incômodo foi notado somente nos últimos quilômetros da jornada, uma trepidação no pedal.
O desmonte identificou os culpados: discos de freio empenados. Mas é preciso ressaltar: a picape atravessou os 60.000 km com discos e pastilhas originais.
Reprovadas
Vazamento de óleo
Os dois últimos GM analisados pelo Longa Duração, Onix e Cruze, saíram do desmonte elogiados pelo ótimo estado dos retentores de válvulas, justamente os itens de reprovação imediata na S10.
Dor de cabeça
Os parafusos do suporte da cruzeta quase perderam a cabeça porque a suspensão traseira permitiu uma descida exagerada da carroceria.
Se o suporte se desprendesse, o cardã perderia a conexão com o diferencial traseiro e a picape só teria tração no eixo dianteiro, ainda que com o seletor de tração no modo 4×4.
Veredicto
A aprovação da S10 só saiu após uma extensa deliberação entre o consultor Fabio Fukuda e a área técnica de QUATRO RODAS.
Decidimos todos pela aprovação por conta do bom desempenho geral. Afinal, à exceção dos retentores, o motor estava bom e, no caso da transmissão, o dano foi causado por um problema na suspensão.
Mas é preciso deixar claro: esperávamos muito mais robustez da S10. Resta a expectativa de saber se a GM conseguiu sanar as deficiências no modelo atualizado, que mantém a mesma base mecânica, mas com aprimoramentos como coxins da suspensão e da carroceria novos, suspensão reprojetada e direção com assistência elétrica.
Testes (com gasolina)
1.010 km | 60.000 km | diferença | |
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AÇELERAÇÃO | |||
de 0 a 100 km/h: | 10,9 s | 11,7 s | + 7,34% |
de 0 a 1.000 m: | 32,3 s – 159,8 km/h | 32,9 s / 158,8 km/h | + 1,86% / + 0,63% |
RETOMADAS | |||
de 40 a 80 km/h (em 4ª): | 8,3 s | 8 s | – 3,61% |
de 60 a 100 km/h (em 5ª): | 13,3 s | 12,7 s | – 4,51% |
de 80 a 120 km/h (em 6ª): | 21 s | 19,5 s | – 7,14% |
FRENAGENS | |||
60 / 80 / 120 km/h a 0: | 16,8 / 29,8 / 68,8 m | 19 / 31,7 / 67,8 m | + 13,1% / + 6,38% / – 1,45% |
CONSUMO | |||
Urbano: | 4,7 km/l | 4,7 km/l | = |
Rodoviário: | 7,1 km/l | 6,9 km/l | – 2,82% |
RUÍDO INTERNO | |||
ponto morto / RPM máximo: | 37,8 / 74,4 dBA | 37,5 / 71,1 dBA | – 0,79% / – 4,44% |
80 / 120 km/h: | 59,6 / 68,7 dBA | 62,3 / 69,4 dBA | + 4,53% / + 1,02% |
Folha Corrida
Preço de compra: | R$ 89.335 (janeiro / 2015) |
---|---|
Quilometragem total: | 60.396 km |
Quilometragem rodoviária: | 47.251 km (78,1%) |
Quilometragem urbana: | 13.245 km (21,9%) |
Combustível (etanol): | 10.518,7 litros |
Custo de combustível (etanol): | R$ 23.553,46 |
Consumo médio (etanol): | 5,8 km/l |
REVISÕES | |
10.000 km: | R$ 260 (Nova) |
20.000 km: | R$ 784 (Carrera) |
30.000 km: | R$ 660 (Itororó) |
40.000 km: | R$ 992 (Primarca) |
50.000 km: | R$ 604 (Vigorito) |
PEÇAS EXTRAS ÀS REVISÕES | |
Alinhamento, balançeamento e rodízio: | R$ 1.064 |
Lâmpada: | R$ 10 |
Tapetes com trava: | R$ 150 |
Capota marítima: | R$ 950 |
Protetor de caçamba: | R$ 950 |
CUSTO POR KM RODADO: |
Ocorrências
8.137 km: | Ruído agudo, no câmbio, invade a cabine |
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10.682 km: | Entrada de água pela porta dianteira direita |
36.079 km: | Lâmpada da placa queimada |
47.837 km: | Termômetro com travamento intermitente em 25ºC |
50.079 km: | Central de mídia com travamentos intermitentes |
Linha do tempo
Janeiro de 2015: estreia da S10 no Longa Duração. Desde julho de 1997, quando desmontamos a Ford F-1000, uma picape média não integrava a nossa frota.
Abril de 2015: a frota de Longa foi submetida a um teste para aferir o quanto a rodagem com carga elevava o consumo. Na S10, 14,3% na cidade e 12,7% na estrada.
Junho de 2015: na segunda revisão, a concessionária Carrera tentou cobrar um valor 16,5% mais alto do que o divulgado no site da fábrica. Só voltou atrás após muita reclamação de nossa parte.
Julho de 2015: outro vacilo da Carrera, que cobrou mas não trocou o filtro de óleo. Ao menos reconheceu o deslize (e o corrigiu) quando reclamamos.
Outubro de 2015: a picape mostra a que veio, encarando um trecho off-road (com pedra, lama e até a travessia de um riacho), na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Novembro de 2015: outro teste com a frota de Longa, dessa vez para mostrar o grau de dificuldade na hora de trocar um pneu furado. O peso elevado e o acesso difícil ao estepe foram os pontos mais criticados da picape.
Janeiro de 2016: a central multimídia fez greve geral: nada funcionava. Chegou a ser condenada pela concessionária Vigorito, mas voltou sozinha ao normal.
Fevereiro de 2016: simulação de venda no mercado de usados revela uma ampla faixa de desvalorização, de 17% e 34%, considerando apenas as ofertas das concessionárias GM. Dentro da média.
Ficha Técnica – Chevrolet S10 LTZ 2.5 flex 4×4 M/T
Motor: | flex, dianteiro, longitudinal, 4 cil., 2.457 cm³, 16V, 88 x 101 mm, 11,2:1, 206/197 cv a 6.000/6.300 rpm, 27,3/26,3 mkgf a 4.400 rpm |
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Câmbio: | manual, 6 marchas, tração 4×4 Direção: hidráulica, 12,7 m (diâmetro de giro) |
Direção: | hidráulica, 12,7 m (diâmetro de giro) |
Suspensão: | Independente, McPherson (diant.), feixe de molas (tras.) |
Freios: | disco vent. (diant.), tambor (tras.) |
Pneus: | 255/65 R17 |
Peso: | 1.984 kg |
Peso/potência: | 9,6/10,1 kg/cv |
Peso/torque: | 72,7/75,4 kg/mkgf |
Dimensões: | comprimento, 534,7 cm; largura, 188,2 cm; altura, 182,2 cm; entre-eixos, 309,6 cm; capacidade de carga (ficha atual), 766 l; tanque de combustível, 80 l |
Equipamentos de série: | direção hidráulica, travas, vidros e retrovisores elétricos, sistema multimídia My Link, rodas de liga leve aro 17, banco do motorista com ajuste elétrico, ar-condicionado |